segunda-feira, 28 de março de 2011

A música venceu

Aquele pedacinho do centro de São Paulo respira contradição. A redenção traduzida em imponente sala de concertos convive em conflitante harmonia com uma enorme comunidade de viciados excluídos que tem até nome de cidade. Ao chegar, tive dificuldades para chegar ao andar superior.

Tudo proposital! João e sua Bachiana se apresentam. Prometem mais do que uma simples conjunção de peças sinfônicas; e cumprem magistrais a missão de teletransportar ao encontro com todos os deuses. Nada mais apropriado para tal viagem do que estar na parte de cima da nave.

No caminho, o encontro com Salvador Dalí, que lhe aconselhou a se considerar o maior dos intérpretes de Bach. Porque ele se dizia o maior de todos os pintores e todo o mundo acreditou. Também figurava uma apresentação em que presenciei a ascensão de um certo Jean William e uma versão emocionada do hino nacional, em agradecimento pela ascensão do Rio de Janeiro a sede olímpica.

E Beethoven se fez anfitrião na chegada ao Olimpo.

Tão Bach, João pedia licença ao mestre de sua vida para homenagear Ludwig; aquele que, vitimado pela surdez física, não se vira privado dos sons celestiais. Ainda que dividida em tantas partes, representava uma única jornada. Como fora vida fragmentada em fases.

Eis que os deuses da inspiração encontram os colegas reverenciados por África. O tributo do palco magistral ainda enche a emoção do velho guerreiro. Só mesmo Saracura, a efígie de oito décadas para selar tamanha trajetória. No delírio de Dali, o espelho para o presente das divindades. Apaixonado por futebol, o pequeno dizia a si mesmo que seria o maior intérprete de Bach. Elas regeram seu destino. E ele regeu aqueles maravilhosos orquestreiros da percussão. E o sentimento transbordou em lágrimas.

Mas o maestro forjado na aparição em sonho de Eleazar precisava prestar continência ao mestre de sua vida. Em um lindo banho de renovação, o Concerto para Violino em Lá Menor consagrara Lucas Farias. O violino do pequeno spalla deixou a plateia em transe.

Bach volta à cena, no reviver em lampejo da epopeia carnavalesca. Vai vai, Bocão, e com sua cuíca, dá o seu tempero à Air Orchestral Suíte Nº3. Um facho de luz que não havia de se apagar. O mestre alemão convidara Adoniran, o esquecido centenário. E no despertar das onze, o trem apítara para desembarcar em Jaçanã.

Era hora de se despedir de todos os deuses. Em retribuição, João proporcionara uma viagem ao céu. Era, entretando, hora de voltar à Terra. Mais repleto de bálsamo do que nunca.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Ela

Era um retrato de impressão e expressão. Os olhos, as cortinas; o sorriso, o palco; em cena, a inocência.

Na escola, a menina conquista uma casinha na amarelinha. Na rua, domava um elástico à perfeição. Em casa, fingia-se princesa. No parque, eu não mais do que molde de amigos imaginários: Charlie, lobo mau, fantasma e, principalmente, Pateta.

A vida corria, como o Menino Maluquinho não conseguira segurar o tempo. Ela também cresceu! E desenhou um novo cenário.

A cortina de outrora se abria em mistério; o palco desfaz em desejo; em cena, a mulher.

Vestida de volúpia, ela pulsa. Dança; com o bailado desenha o destino. Ama; e o sentimento caminha sob a alma. Chora; e a emoção ecoa em nuances. Chama; que eu, reles arauto, incendeio por ti.