quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Eu não me canso de buscar

Era um sôfrego peregrino

De noite até em dia

Padecia!

Tão deserto e sem destino,

Pequenino

Clamava aos céus por Maria


Do Alto a luz surgiu

Ela ouviu!

Mandou sua enviada a Coroada

Vestiu-se de Fátima e, dourada,

Brilhou! E o caminho se abriu


Pequena cintila Teu reino

Em rosa a ternura desabrocha

Desmancha em vibrante sorriso

E vaga a mente em paraíso

O sol deste pobre, cabrocha.


Bela então surge presente

Como se primeira vez

O tempo murmura premente

Espanta o acaso insistente

Se viram outrora, talvez


Sente essa paz elevada

Do teu olhar a bondade

A redenção tão sonhada

Guarda no pó tempestade


Essa penumbra me cansa

Fica e não deixa saudade

Consagração da esperança

Sopro de felicidade

O teu presságio é bonança

Amor! Me desfaço em verdade

quarta-feira, 29 de junho de 2011

"Presidenta" tá errado!

Não sou muito chegado a coisas que chegam por e-mail. Como jornalista, desconfio de tudo. Ou quase. Detesto correntes e muitas coisas assustadoras parecem obra de mentes pra lá de férteis, mas desprendidas de um senso de realidade.

Nem tudo, porém, é lixo. Arauto do uso correto da língua que me considero, aproveito da onda que combateu o livro "Por uma Vida Melhor" - que, na pior das hipóteses, minimiza o mau uso do idioma pátrio - para espalhar um texto muito interessante, assinado pela professora Miriam Rita Moro Mine, da Universidade Federal do Paraná.

A presidenta foi estudanta?

Uma belíssima aula de português.

Foi elaborado para acabar de vez com toda e qualquer dúvida se tem presidente ou presidenta.

Será que está certo?

Acho interessante para acabar com a polêmica de "Presidente ou Presidenta"

Repassando, gostei da aula,

A presidenta foi estudanta?

Existe a palavra: PRESIDENTA?

Que tal colocarmos um "BASTA" no assunto?

Miriam Rita Moro Mine - Universidade Federal do Paraná.

No português existem os particípios ativos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante...

Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade.

Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionarem à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte.

Portanto, à pessoa que preside é PRESIDENTE, e não "presidenta", independentemente do sexo que tenha.

Diz-se: capela ardente, e não capela "ardenta"; se diz estudante, e não "estudanta"; se diz adolescente, e não "adolescenta"; se diz paciente, e não "pacienta".

Um bom exemplo do erro grosseiro seria:

"A candidata a presidenta se comporta como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.

Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta".

Por favor, pelo amor à Língua Portuguesa, repasse essa informação...

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Revendo posições

Eu queria refletir sobre uma coisa...

Vejo algumas pessoas muito de mal com a vida, transformando tudo em uma guerra dos sexos.

Dia desses, saiu na Vejinha uma matéria sobre casais que se conheceram via internet e as várias possibilidades de encontros que a rede possibilita.

Na semana seguinte, uma leitora, num rompante de extrema infelicidade, disse que, nesse serviço, as mulheres procuravam compromisso. Os homens, passatempo. Desgostosas com o mundo, algumas mulheres jogam fora os planos de "encontrar alguém" para viver como lhes convém. Num rompante até de prepotência, gritam para o mundo que um homem não vive sem uma mulher, mas a mulher vive perfeitamente sem um homem.

No lado oposto, uma piada recorrente versa que "quem gosta de homem bonito é outro homem. Mulher gosta é de dinheiro". É humor, mas provavelmente retirado de algum rompante de mágoa. Outros (não sem certa dose de razão) reclamam que elas gostam dos canalhas. Mas, pisadas por eles, tomam todos como se fossem uma coisa só e se vingam nos legais.

O que está acontecendo conosco? Preferimos o espírito competidor, em que necessariamente precisamos ter um rival, ao senso de coletividade, em que nos somamos ao outro para nos completar. Somos capazes de festejar a má sorte de um time com fogos de artifício - como fizeram os corintianos quando o Palmeiras foi rebaixado - ou esfregamos nossa conquista na cara do outro, para lembrá-lo de que "aquele ele não tem" - como fizeram os santistas com os corintianos depois de vencerem a Libertadores.

Às vezes, me vejo enquadrado em algumas dessas categorias. Mas penso que nem sempre os conceitos devem ser os mesmos.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Por que não dizer "sim"?

Eu queria refletir sobre uma coisa por aqui.

O relacionamento amoroso é uma espécie de jogo, em que o homem é o desbravador e a mulher, a definidora do resultado.

Na maioria das vezes, quando um cara se dispõe a conquistar uma mulher, precisa se armar de preparo e jogo de cena. Porque existem coisas que devem ser ditas; outras não podem ser feitas; um terceiro grupo tem boas chances de dar certo; um quarto deve ser abolido imediatamente, sob pena de tirar o cidadão do jogo.

É uma dinâmica muito bem entendida, principalmente pelo lado feminino da coisa. Está no DNA dela não dar as caras logo de primeira. Se sai do forno um convite para sair, o "não" é a primeira reação - que pode nas entrelinhas significar "tente novamente", ou "não tô afim", mesmo.

E aí, eu pergunto: se o cara é legal, por que não um "sim"? Por que esse medo de parecer "fácil"? Afinal, ninguém disse que vai dar namoro logo de primeira. Nenhuma mulher vai ficar com qualquer "fama" porque decidiu conhecer um cara - nem que isso acabe somente em amizade.

Muitos homens gostam desse jogo de conquista, e ganhar fácil demais perde a graça. Mas nem todos têm a segurança brutal que a sociedade dita "machista" exige. Esse cara, se enxergar uma negativa, pode até desistir e partir pra outra.

Sei lá... talvez eu seja um extraterrestre e o jogo tem de ser assim. Mas às vezes eu penso que as pessoas poderiam ser mais generosas e abrir mão de convenções - se a mulher dificulta demais, pode perder a chance de conhecer uma pessoa legal.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O céu ganha um guerreiro

Ai, ai, Meu Deus. Sua mão que me conduz
Do infinito, tão bonito fio de luz
Acalentando o meu pobre coração

Era uma das últimas tardes de domingo do século XX. Ia enfim encontrar aquele pessoal maravilhoso que só conhecia por e-mail. A Sociedade Amantes do Samba Paulista faria um encontro de fim de ano.

O evento aconteceria na quadra da Tom Maior. Filha direta do grande Camisa, a vermelho e amarela sumarense vive a nômade sina de não fixar o pé num canto. Sempre haveria alguém a destituir-lhe da quadra. Aquela ficava na Doutor Arnaldo.

A esconder os cacos de tanta luta, ele saía pela quadra a espalhar sincero sorriso. Não se furtava a cumprimentar quem por ali estivesse. Num dos dias mais incríveis da minha vida, em que experimentei pela primeira vez a magia de um ensaio, Marko, o Presí, estava presente. Vim a descobrir um tempo depois que era irmão de Marcelo, jogador de futebol que estudou comigo no Max.

Como já dizia um certo Ernesto, era firme sem perder a ternura. Nos ensaios, pedia para que os componentes não esmorecessem no canto e se organizassem na aquisição de fantasias.

No fim de 2007, fui à final em que o grande amigo Barba concorria ao lado dos parceiros Jelleya e Alemão com uma verdadeira "patada de urso" - gíria sambística para designar um daqueles sambas inesquecíveis. A letra tinha variações linguísticas e rítmicas muito interessantes. Mas, infelizmente, perdeu a disputa para uma composição a meu ver mais pobre - mas é do jogo da vida. A composição vencedora se transformou na voz do grande Renê Sobral, e com ela a Tom conquistou uma inédita vaga no desfile das campeãs.

Liderar a Tom nunca foi tarefa fácil. Além de sofridamente andarilha, a escola nunca foi das mais abastadas. Mesmo assim, sempre arrumou um jeito de deixar uma marca. A bateria de Mestre Carlão escandalizou as rígidas estruturas do batuque ao promover uma sinestesia entre ritmo e dança. Se não inovava, aperfeiçoava e escancarava.

Um povo então renasceu. Em 2009, Angola teceu um manifesto inesquecível... na caminhada de um povo esquecido. A comissão de frente exalou forte uma emoção que me pegou de jeito. E chorei como nem minha escola de coração conseguiu. No ano seguinte, a Brasília em vermelho e amarelo conseguiu ficar de pires na mão. Balançou... mas a guerreira do guerreiro não cai assim tão fácil.

O lindo ensaio no Sumaré se transforma na minha despedida. Não! Este sambista não dormirá jamais. Já dizia Brecht que são imprescindíveis aqueles que lutam a vida toda - quis o Criador que este voltasse para a sua Morada. A luz da alma que sempre refletiu em Tom Maior agora emana da eternidade. Obrigado por tudo, presí.

Lá no céu pipa vagueia
Pensamento que passeia
Criança no espaço sideral

Não há "gente diferenciada" por aqui

Confesso que li com algum ranço a chamada principal da edição desta semana da sãopaulo, a nova Revista da Folha.

Indo na esteira do protesto do Movimento Viva Higienópolis contra a construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica, a publicação correu atrás de movimentos semelhantes realizados por outras associações de bairros listados como "nobres", pelo alto poder aquisitivo que comportam.

Ao ler o conteúdo, tive de me desarmar um pouco. As reivindicações de tais grupos, muitas vezes legítimas, primam pela discrição. A Sociedade Amigos da Vila Inah, no Morumbi, se cotizou e contratou um escritório de advocacia e um especialista em transporte para contestar a construção de um monotrilho na região - alegaram a falta de um projeto básico para a obra, que poderia gerar um novo "minhocão" (quem não é da cidade talvez não saiba que este é o apelido de uma horrenda via elevada que cruza o centro da cidade e possibilitou a degradação de seus entornos).

Defender os interesses de sua comunidade é mais do que legítimo num país que se pretenda livre. Tais movimentos podem até dar mais subsídios para movimentos de orientação mais ampla - como questionar a legalidade de um aumento de tarifa de ônibus, por exemplo.

O mais cruel nessa história toda é a grana alta fala mais alto no quesito eficiência. Passeatas e estridência, além de não necessariamente redundar e resultados, joga os manifestantes contra os cidadãos.

Até que ponto, no entanto, o interesse privado deve se sobrepor ao público? Muitas vezes as iniciativas embutem preconceitos. A declaração da dona Florinda higienopolitana que não queria se misturar à gentalha "diferenciada" que viria com o metrô não é exatamente uma frase jogada ao vento. Suspeita-se que a mesma motivação tiveram moradores da região da Avenida dos Três Poderes, no caminho do Morumbi, que venceram uma queda de braço contra estação de metrô de mesmo nome por ali.

Mesmo a possibilidade do aumento de insegurança não é justificativa para barrar um empreendimento tão essencial numa cidade sufocada pelo inferno do trânsito nos horários de pico. As obras do metrô, aliás, conseguem andar em marcha ainda mais lenta do que os 7 milhões de veículos paulistanos. Se a delinquência é problema, que haja mais iluminação e postos policiais nos entornos das estações - ora, a Cracolândia não impediu o renascimento da Sala São Paulo, que abriga uma Orquestra referência internacional.

Se por um lado é salutar à democracia a proteção aos protestos de motivação privada, é preciso também aprender com tamanha mobilização em nome de um bem maior - a cidade de São Paulo.

sábado, 21 de maio de 2011

Vanessa, a "Paula" da minha vida

Pena, que pena
Que coisa bonita
Diga qual a palavra
Que nunca foi dita

A primeira semana de aula estava prestes a terminar. E a última aula, Antropologia Cultural, não parecia dar futuro. O professor, Celso Prudente, parecia saído de um clássico da literatura de tão difícil que falava. Num instante, para me chamar a atenção, o cara virou pra mim e disse:

"Ô ilustre, mora aqui. Depois, você deriva"

Que diabos era aquilo? Talvez significasse que eu devesse me concentrar mais na aula, ou algo assim. A verdade é que o Celsão era doidaço, mas também muito boa gente. E o nosso amigo serviu de ponto de partida para uma das histórias mais bonitas da minha vida - Vanessa.

Na saída para o ponto do ônibus, divagamos sobre aquela aula nada ortodoxa. Fui no mesmo ônibus que ela - não sei se Shopping Continental ou Jardim Maria Luiza, mas era um desses. Só sei que era caminho para casa e a acompanhei. E cada vez mais nos sentimos de alguma forma afinados.

Também juntos ríamos e nos perdíamos. Uma vez, na aula de História da Comunicação, o José Maria das Neves balbuciava a sua aula, e nós não prestávamos lá muita atenção - porque a base da nota era um trabalho de temas prestabelecidos. Aí, ela levanta a mão e pede para ele falar mais alto. Ao que ele responde: "Minha filha, a aula já acabou!"

Descobri que, quando cantava os tantos sucessos da MPB, sua voz parecia deslizar o horizonte, de tão poderosa. Como ela sempre fora! Assim aconteceu naquela viagem ao Pontal do Paranapanema, para onde fomos desenvolver uma série de trabalhos. Uma jornada das mais inesquecíveis.

Vanessa era explosiva e acolhedora. À época, namorava Roberto, um sujeito às vezes brigão, mas de um coração que mal cabia em si de tão grande. No meu 22º aniversário, os dois me ligaram para dar os parabéns. Parece pouca coisa, mas pra mim significou muito - eu nunca fui dos mais populares. Ganhava cumprimentos tão somente dos familiares.

No último ano, tive de me ausentar da faculdade para tocar um projeto experimental que se revelaria mais tarde um fracasso. Ouço então um recado dela na minha secretária: "Estou preocupada. Você não tem ido à faculdade". Nunca havia pensado que alguém sentiria a minha falta.

Fui uma espécie de quinto elemento de seu trabalho final. Eles fizeram um documentário sobre a cidade de São Paulo, e eu fiz a narração. Mesmo não fazendo parte do grupo de forma oficial, fiquei feliz de ter feito parte daquela iniciativa, que tirou nove e meio.

Na festa de formatura, descobri que a vida real, às vezes comum, pode de quando em vez guardar lances extraordinários. Minha mãe tinha acabado de perder minha avó e meu tio para a Eternidade, e se sentia um tanto sozinha. E o Negro de felicidade se unia a um Solimões de tristeza. Mas eis que encontra Roseli. A mãe de Vanessa era filha de Dona Mulata, uma grande amiga de quem minha avó falava muito. E no meu quarto aniversário, lá estava aquela pequena que, anos mais tarde, me encontraria colega de classe.

Não é de se admirar tamanha afinidade. Nossas vidas se encontraram na infância e na juventude. Partimos por outros assuntos, mas estaremos sempre juntos. Em "Papai, me compra um amigo?" de Pedro Bloch, me vi Bebeto, o menino com extrema dificuldade de relacionamento que descobre em Paula uma grande companheira capaz de ajudá-lo a superar a timidez. Vanessa é pra mim muito mais do que isso. Amo-a de qualquer maneira, pra vida inteira.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A bênção da leitura

A reportagem de capa da Veja de 18 de maio veio à feição. Num país tão espinafrado pela má qualidade de sua educação, a chegada de uma geração que gosta de ir além das fronteiras de Harry Potter é um achado - bem verdade que isso ainda não atinge ao grosso da população, mas pode ser a ele estimulante. E então fui fuçar no meu baú.

Nele encontrei Maluquinho, o menino serelepe e faceiro que segurou o tempo e é mais do que um cara legal. Viva Ziraldo, que desenhou mais do que uma história, mas um clássico da literatura infantil.

Mas ora que tão faceiro Maluquinho chama Bebeto, aquele que queria comprar um amigo, tão tímido que era. Não precisou: Paula chegou em sua vida e o fez crescer e vencer. De qualquer maneira, eles se amam é pra vida inteira.

De lá vêm também os primeiros personagens de um livro adulto, Escrito nas Estrelas, de Sidney Sheldon - sim, eu o li, e gosto pra caramba. Torci para que Howard Keller terminasse com a megaempresária Lara Cameron, mas não foi bem isso o que aconteceu. O homem da vida dela era o pianista Phillip Adler.

Da safra sheldoniana ainda surgiram Catherine, Costa, Jennifer Parker, Michael Moretti e por aí vai. Tantas histórias tristes culminaram em finais apoteóticos - não necessariamente felizes. Aí, também descortino Zíbia. Afinal, os Espinhos do Tempo não apagam os Laços Eternos ou ferem a bondade do Matuto. Afinal, Somos Todos Inocentes perante os Advogados de Deus.

Estes foram os meus Harry Potters para paragens mais densas. Já tive de ler Vidas Secas a contragosto, e assim não o fruí. Mas ainda que para a Fuvest, Dom Casmurro de materializou numa maravilhosa busca pela mente machadiana - que nem mesmo da sua morada espiritual há de desvendar o mistério de Capitu.

Pelas hostes de Joaquim Maria ainda vieram os Pedro e Paulo, ferrenhos rivais pelo amor de Flora, Iaiá, o matuto Rubião e sua teimosa paixão por uma mulher casada, o o impagável Brás Cubas (a meu ver belo, mas menos brilhante que o Casmurro Bentinho) e Simão Bacamarte, que inverteu a lógica da loucura.

Eis que visitei o Cortiço de Aluísio e me acabei nas festas de Rita Baiana - houve quem fizesse da casa a protagonista da trama. E Bertoleza sofreu nas mãos do patrão português. Mais adiante, a Casa de Pensão ainda fervia com a rivalidade entre Amâncio e o cunhado, João Coqueiro.

Aos 27, me vi maduro para revisitar Graciliano. Vidas Secas é secamente belo na saga de Fabiano e família, mas perde para a graciosidade canalha de Macunaíma, em sua fantasia que remete aos Cem Anos de Solidão dos Buendia.

Nem só de ficção vive a minha fase dita culta. Descortinei a Bossa Nova em todas as suas fases, o Anjo Pornográfico Nelson Rodrigues, a saga comunista de Olga Benário e a autodestruição de Mané Garrincha. Como viscerei no terrívelmente real Estação Carandiru e voltei em uma passagem da gênese nacional em 1808 - e pude entender muita coisa dos nossos problemas brasileiros.

E olha que essa é apenas a primeira página dessa história. Há muito por desbravar.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Versos jogados ao vento

Eu queria dividir um verso com meus parcos leitores (pra não dizer nenhum).

Gostei de tê-los produzido, apesar de a pessoa pra quem fiz não merecer tamanha honraria.

Mas é como um amigo já me disse: essas coisas nós fazemos muito mais para nós.

Espero que gostem


Despertar

Cruz

Andarilho das sombras

Herdeiro das pragas

Andança

Nas costas, solidão

No corpo, escuridão

Divindade

Mimetiza brilho e sonho

E me apaga do deserto

Luz

Envolvido, vivi

Olhares por aí

Sorrisos eu ouvi

Mas tudo em um só sublime

Só em ti.

Saudade

Te contemplava estática

A essência, só amostra

Minha angústia errática

Você não se me mostra

Esperança

A luz se desfaz em areia

Será que a deusa se vai?

Atropelado pelo desencanto

Ainda assim, me levanto

Sigo caminheiro pelo sertão sem fim

Será que gostas mesmo de mim?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A maior bateria do mundo


E uma história assim se fez. Sob o céu inclemente da São Luiz, uma babel de instrumentos, camisetas coloridas e uniformes de escolas, os grãos que formariam inigualável massa de ritmo já se preparava para o todo. Leandro Lehart idealizara cantar para a maior bateria do mundo, uma reunião de batuqueiros de várias escolas paulistanas, e tinha como meta arregimentar mil ritmistas.

Tava todo o mundo lá. No primeiro momento, eu já divisava algumas agremiações. À uma e meia, os apítos dos mestres botavam ordem na casa. Thadeu, da Vai-Vai, Carlão, da Tom Maior, e Tornado, da Rosas, sinalizavam as primeiras marcações.

Caixas e repiques davam os primeiros recados, chamando o surdo para a brincadeira. Finos artífices do tempero, chocalhos e tamborins também foram chegando. Quando a marcação ficou completa e veio a primeira bossa de três, um sentimento me tomou dos pés à cabeça: a emoção de ver os batuqueiros de São Paulo unidos em um evento memorável. Já deu certo. E no trajeto para a República, uma voz conhecida me trouxe de volta a amizade sambística de uma década.

- Ô, Rangel!

Era o Barba, um dos grandes amigos dos tempos de SASP, a Sociedade Amantes do Samba Paulista. Conheci esse bando de loucos por samba em 2000, o que representou para mim uma verdadeira faculdade de vida. Aprendi muito e conheci grandes pessoas. Trago esse legado da existência com muito carinho.

A última vez que o tinha visto foi na final de samba da Tom Maior, em 2007. O belíssimo samba que ele compôs com Alemão e Fábio Jelleya perdeu - mas era muito melhor do que o que venceu.

Idealizador da ideia, Leandro Lehart já os esperava. Arrumavam-se os detalhes finais. Os mestres vestiam uma camiseta e se perfilavam.

E o som recomeçava, sempre redondo. Leandro fazia o percurso contrário ao normal, em que a bateria começa depois da marcação com cavaquinho - só que a relação da batucada com o canto não foi perfeita. Os sons não se encontravam em harmonia no primeiro momento, mas iam se acertando com o tempo.

Se o sistema de som da Virada Cultural deixara a desejar, a iniciativa foi um sucesso. Pode comemorar, Leandro. "A maior bateria do mundo é de São Paulo!" Não foi o Guiness, no entanto, que tornou importante esse evento, mas para trazer à luz dos próprios paulistanos a boa figura que as escolas fazem no carnaval.

A harmonia falhou? Dane-se! O importante é o marco deixado pela iniciativa. Há de ser um divisor de águas.






quarta-feira, 13 de abril de 2011

Tragédia do Rio: pequena reflexão

A tragédia de Realengo me causou, no começo estupor. Por alguns conhecidos meus reinava mais do que isso: uma fagulha da dor das vítimas e todos os seus.

Ao ler a revista e me deparar com tantos sonhos partidos, peguei pra mim um pequeno caco desse padecer. Lembrei-me de Gabriela Prado, tão pequena quanto, que em 2003 perdera a vida para uma bala perdida na estação São Francisco Xavier do metrô carioca.

Como elas, não debutaria; ou se formaria; ou se casaria.

Tão melancólico é perceber que o Brasil importaria sem querer tamanha estupidez baseada no mesmo modus operandi: um desatinado invade a escola, atira pra todos os lados e dá cabo de si mesmo. A reflexão partiria de uma premissa básica segundo a qual em algum momento o poder público falhou. Não deixaria ela de ter boa dose de razão - afinal, o cara comprou duas armas ilegais de pessoas não credenciadas, o que expõe a ferida do tráfico nas fronteiras.

Não é, contudo, tão fácil assim. Apontar o dedo para o governo é mais fácil quando se fala das tragédias naturais causadas pela chuva na região serrana do Rio, quando a fúria das águas não camuflou o terceiro-mundismo.

Aqui, é preciso pensar também sob a ótica da espiritualidade. Se precisa passar por isso, que lições o Brasil precisa aprender? Não será preciso repensar o modo como ele trata as suas crianças e jovens, que em suas classes mais desfavorecidas são vitimadas por uma quase deseducação, violência e até prostituição?

Será que não é preciso mudar o modo como pensamos a religião? Imerso em sua própria infelicidade, Wellington procurou alento não na essência do islã, mas na estória contada por radicais. Afinal, nem sempre respeitamos a diversidade de crenças - que, no fundo, queiramos ou não, converge para uma verdade só.

Não sei. A única certeza que tenho é que não somos castigados, mas recebemos a consequência de nossos próprios atos e pensamentos.




sábado, 9 de abril de 2011

Novamente o vôlei

O café com leite preparado na semifinal da Superliga masculina fica cada vez mais escuro.

Na sexta, o Sesi fez valer a sua superioridade e fez o que o Minas não soube fazer: aproveitar o melhor momento - mesmo com a preocupante contusão de Murilo, que jogou, mas foi muito mais passador do que ponteiro. A presença daquele que é considerado o melhor jogador do mundo passou tranquilidade ao excelente elenco paulistano, e o Minas ofereceu pouca resistência.

Do lado interiorano da decisão, muita igualdade. Se o Cruzeiro venceu a primeira em Contagem, o Vôlei Futuro devolveu na mesma moeda em Araçatuba. Ambos os jogos terminaram no quinto set.

Sobre a polêmica envolvendo Michael, é difícil falar. Na provocação das torcidas de todas as modalidades, atletas são chamados de "viados" por torcedores adversários o tempo todo. Mas, ao que parece, a provocação de parte dos torcedores mineiros foi localizada - e teve ares de crueldade. Se foi assim, é uma prática tão odiosa quanto jogar banana para um atleta negro.

Mas vamos falar do jogo.

Foi uma partida digna do altíssimo nível do voleibol brasileiro. E os levantadores dão o tom das duas equipes. No duelo dos opostos, Wallace levou vantagem sobre Leandro Vissotto, ainda muito instável e presa fácil para os bloqueadores. Por outro lado, o saque do time paulista conseguiu, nos momentos mais agudos, superar a ótima recepção mineira.

A vaga na decisão será decidida novamente em Contagem. E, ao contrário do que aconteceu na outra chave, é absolutamente imprevisível.

domingo, 3 de abril de 2011

Duelo de gigantes

Quem é o artista que desenhou uma obra de arte do tamanho de um jogo de tênis? Pois ele escolheu a ilha de Key Biscane, em Miami, para outra de suas jornadas mais inspiradas, em que se enfrentaram dois oponentes de estirpe: os dois melhores do mundo na atualidade.

No primeiro set, pareceu que Rafael Nadal atropelaria: livrou duas quebras pra cima de Novak Djokovic. Então irregular, o sérvio, se não evitou o revés, ao menos descontou uma. E tomou conta do segundo.

A inspiração do criador veio no terceiro set. Menos pelo tie break do que pelo que levou a ele. Eram verdadeiros titãs que se desafiavam constantemente, em trocas de bolas que aliavam potência a precisão. Cada ponto vencido exigia esforço pra lá de humano. Se Nadal defende atacando, Djokovic precisou de voleios cada vez mais elaborados para impedir as passadas.

Cada troca de bolas visava o ponto. Se Djokovic atacava, o contra-ataque de Nadal vinha mordaz. O sérvio, por sua vez, replicava com igual misto de agressividade e precisão. Já há muito protagonizando o circuito, o "Toro Miura" desde sempre é um atleta que não permite desperdícios, já que sua incrível força física e mental permite poucas brechas. Via de regra, suplanta os rivais com soberania, com o ser quase intacto.

Mas Djokovic cresceu a sua frente. Ao contrário de tantos outros embates, duelou com a mesma envergadura. Evoluiu como tenista - o jogo é mais versátil e a mente não mais se abate ante a adversidade.

Esse novo Nole conseguiu uma proeza: esgotar Nadal. Com a concentração lá em cima, abriu vantagem no desempate e não se preocupou com os lampejos de reação do perigoso espanhol. E enfim se deixou vencer mais uma vez. Ganhador também em Melbourne e Indian Wells, Djokovic ainda não perdeu nenhum jogo esse ano.

Ao que parece, o circuito parece ganhar um novo ator principal, ao passo que Roger Federer experimenta uma fase de total apatia. Descartar o suíço é precipitado, mas Dácio Campos detectou um fato: "Os dois parecem estar em uma categoria diferente".

Superliga masculina: decisão café-com-leite

Tenho acompanhado com alguma atenção a fase decisiva da Superliga.

No masculino, as semifinais são "café-com-leite": em cada uma das chaves, é um time de Minas contra um de São Paulo. Uma chave das capitais e uma do interior. De um lado, Sesi e Minas; do outro, Vôlei Futuro (Araçatuba) e Cruzeiro (que manda seus jogos em Contagem).

Vamos deixar o confronto "interiorano" para um próximo post. Quero falar sobre o embate entre Minas X Sesi. A equipe azul venceu a primeira fora de casa no desempate: 3 a 2 - e o bloqueio fez diferença no tie-break.

Quando era para decidir em casa, a equipe de Belo Horizonte parecia fazer valer a motivação. Venceu o primeiro set por 25 a 20. Mas, no segundo, teve uma atuação desastrosa que custou toda a partida. A equipe paulista variou o saque, quebrou a recepção mineira, e construiu a vitória a partir de incontestes 25 a 13.

A equipe de Marcelo Franckowiak sentiu e se deixou dominar. Assim, perdeu os sets seguintes pelo mesmo placar: 25 a 18.

Desse segundo jogo, pude perceber que o Sesi tem uma espinha dorsal bem definida: Murilo, que dispensa comentários, Sandro - excelente levantador - e Wallace, grata revelação de 28 anos - e, quando os três estão bem, fica muito difícil derrotá-lo.

Por outro lado, o Minas parece depender demais de motivação. A impressão que tive é que, quando está muito atrás no placar, o time não tem forças para reagir. E, no aspecto emocional, o ótimo ponta Luis Felipe tem papel preponderante - ele incendeia o time com sua vibração.

Mais time, vejo o Sesi mais próximo da classificação - apesar de a equipe de Giovane Gavio tem um desafio pela frente. Das quatro derrotas sofridas, três aconteceram em casa.

O Minas precisará jogar com a intensidade no limite para ter chances.

segunda-feira, 28 de março de 2011

A música venceu

Aquele pedacinho do centro de São Paulo respira contradição. A redenção traduzida em imponente sala de concertos convive em conflitante harmonia com uma enorme comunidade de viciados excluídos que tem até nome de cidade. Ao chegar, tive dificuldades para chegar ao andar superior.

Tudo proposital! João e sua Bachiana se apresentam. Prometem mais do que uma simples conjunção de peças sinfônicas; e cumprem magistrais a missão de teletransportar ao encontro com todos os deuses. Nada mais apropriado para tal viagem do que estar na parte de cima da nave.

No caminho, o encontro com Salvador Dalí, que lhe aconselhou a se considerar o maior dos intérpretes de Bach. Porque ele se dizia o maior de todos os pintores e todo o mundo acreditou. Também figurava uma apresentação em que presenciei a ascensão de um certo Jean William e uma versão emocionada do hino nacional, em agradecimento pela ascensão do Rio de Janeiro a sede olímpica.

E Beethoven se fez anfitrião na chegada ao Olimpo.

Tão Bach, João pedia licença ao mestre de sua vida para homenagear Ludwig; aquele que, vitimado pela surdez física, não se vira privado dos sons celestiais. Ainda que dividida em tantas partes, representava uma única jornada. Como fora vida fragmentada em fases.

Eis que os deuses da inspiração encontram os colegas reverenciados por África. O tributo do palco magistral ainda enche a emoção do velho guerreiro. Só mesmo Saracura, a efígie de oito décadas para selar tamanha trajetória. No delírio de Dali, o espelho para o presente das divindades. Apaixonado por futebol, o pequeno dizia a si mesmo que seria o maior intérprete de Bach. Elas regeram seu destino. E ele regeu aqueles maravilhosos orquestreiros da percussão. E o sentimento transbordou em lágrimas.

Mas o maestro forjado na aparição em sonho de Eleazar precisava prestar continência ao mestre de sua vida. Em um lindo banho de renovação, o Concerto para Violino em Lá Menor consagrara Lucas Farias. O violino do pequeno spalla deixou a plateia em transe.

Bach volta à cena, no reviver em lampejo da epopeia carnavalesca. Vai vai, Bocão, e com sua cuíca, dá o seu tempero à Air Orchestral Suíte Nº3. Um facho de luz que não havia de se apagar. O mestre alemão convidara Adoniran, o esquecido centenário. E no despertar das onze, o trem apítara para desembarcar em Jaçanã.

Era hora de se despedir de todos os deuses. Em retribuição, João proporcionara uma viagem ao céu. Era, entretando, hora de voltar à Terra. Mais repleto de bálsamo do que nunca.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Ela

Era um retrato de impressão e expressão. Os olhos, as cortinas; o sorriso, o palco; em cena, a inocência.

Na escola, a menina conquista uma casinha na amarelinha. Na rua, domava um elástico à perfeição. Em casa, fingia-se princesa. No parque, eu não mais do que molde de amigos imaginários: Charlie, lobo mau, fantasma e, principalmente, Pateta.

A vida corria, como o Menino Maluquinho não conseguira segurar o tempo. Ela também cresceu! E desenhou um novo cenário.

A cortina de outrora se abria em mistério; o palco desfaz em desejo; em cena, a mulher.

Vestida de volúpia, ela pulsa. Dança; com o bailado desenha o destino. Ama; e o sentimento caminha sob a alma. Chora; e a emoção ecoa em nuances. Chama; que eu, reles arauto, incendeio por ti.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Levanto as mãos pro céu...

Depois de um ano, eis que volto a assistir a um ensaio de escola de samba. Voltei à Vila Madalena, um berço afetivo. Se no trajeto a chuva castigava, a noite trouxe os últimos raios de lua cheia a iluminar a Pérola Negra.

Ainda tenho fresco na memória o tempo em que a Pérola ensaiava na rua. Em 2001, recém promovida ao especial, tinha a árdua missão de abrir o desfile de sexta. Problemas de várias ordens fizeram com que ela não resistisse na elite àquele tempo.

O encontro da Girassol com a Inácio Pereira da Rocha ainda se preparava. Então, resolvi dar uma volta e presenciar a ferveção dos bares. Também rememorar lances recentes do passado. Hoje Blue TV, o Canal de São Paulo revelou histórias entre bonitas e engraçadas, mas também um desfecho triste. Já a casa verde guarda a importância cívica de erigir uma terceira via nos rumos do país: a candidatura de Marina Silva à Presidência da República.

Na volta, um público mais numeroso já se fazia presente. O evento prometia ir das sete às dez e meia da noite. Entrei e me enturmei com dois companheiros de time. Eles haviam acabado de voltar do Pacaembu felizes com a vitória do Corinthians sobre o Santos por 3 a 1. Já faz um ano que o glorioso alvinegro não é derrotado pelos seus rivais mais próximos.

Minha amiga Fernanda Cataldi acabara de chegar. A companheira de alguns anos de Canal era harmonia da Pérola. Todos comemoravam um bom desempenho no ensaio técnico do dia anterior.

Ao abrir das cortinas, o mestre de cerimônias compartilhava da euforia, mas avisava que o canto ainda poderia ser muito melhor. Hino e exaltação fizeram as honras e não permitiram delongas. O canto, testado desde já. O samba de "Abraão, o patriarca da Fé" começava a tomar conta do recinto. De bela letra, a composição de Mydras, Bola, Carlinhos, Michel e Regianno imprime uma tradição melódica que lembra os sambas anteriores - a repetição das notas não tira a qualidade da letra.

A bateria de Bola mostrava uma cadência redonda, mas preferiu um andamento mais emblemático, sem muitas bossas ou danças. Quando "levanta as mãos para o céu", os ritmistas abandonam o convencionalismo, e os instrumentos bailam no ar - como já fizera Estácio de Sá quinze anos atrás.

Diferente do que aconteceu no ano passado, quando os foliões cantavam dando voltas pela quadra, o ambiente estava devidamente separado. De um lado os donos da festa: passistas, batutuqeiros, músicos e defensores do pavilhão.

Do outro, componentes e sambistas não necessariamente desfilantes - o leque que tentava trazer um pouco de refresco ao calor quase saariano também servia de folheto com a letra do samba, que alguns ainda tentavam pegar. Outros já o tinham em ponto de bala e cantavam com animação. Alguns insinuavam tímidas sambadas, já garantidos na manhã de sábado - a Pérola será a última desfilante da primeira etapa.

A noite agradecia ao samba a reverência boêmia da Vila, recheada de novos amigos e um clima lindamente familiar. Espero, contudo, que a Pérola tenha segredos mais ousados a revelar à avenida. Principalmente na batucada.