quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

A Suprema Felicidade

Dois imensos presentes que a vida me deu. Sim, eu chorei. Muito!
Ninguém melhor do que nós sabe o que se passa com o conjunto dos nossos mecanismos do físico e do sentimento. E a sensatez do caminho traçado pela razão nem sempre bate com o que nos vai no coração.

Para encontrar a ascensão que tanto buscava na carreira, tive de me mudar para o Rio de Janeiro. Tudo bate com o que o destino preparou. Além da evolução que me proporcionaria, a partida me traria amadurecimento. Longe de casa, eu teria de sair da casca dos meus pais e viver a minha própria vida. Também deixaria pra trás tantos infortúnios emocionais - entre eles, um infame arranjo amoroso que quase destruiu a minha vida.

O mar de rosas, no entanto, não nos livra de espinhos. Fora de todo o doloroso processo de assentamento à nova terra, ainda havia a distância de uma pessoinha a quem já estava muito acostumado, Bárbara na acepção da palavra. Por mais que reconhecesse todo o afeto que nos aproximava, um gesto singelo seu se tornou um lampejo da Suprema Felicidade.

Ainda me lembro daquela noite, um domingo qualquer de 2007. Bruno e Carla passavam em casa para uma visita que pareceu corriqueira. Foram, na verdade, avisar que haviam encomendado aos céus uma estrelinha, e que haviam despachado a nave para providenciar a viagem. O plano de voo estava num livro entregue a minha mãe: Querida Vovó. Algum tempo depois, soubemos que a empreitada partia da generosidade de um reino pra lá de evoluído. Nos enviaram logo o mais sublime dos seus. A nave chegou duas semanas antes do esperado. E a estrela de nome Bárbara já virara menina.

Eu me tornaria tio, e ficava imaginando como seria essa relação. Ela me ligaria e perguntaria: "Tio, quando você virá aqui me ver? Estou com saudade!" Na minha cabeça, no entanto, a figura do tio nunca era lá muito próxima, por mais que Jairo, por exemplo, tivesse me dado momentos memoráveis, como os jogos do Corinthians e o primeiro desfile de escolas de samba.

A seca profissional permitiu que eu acompanhasse o seu desenvolvimento. Por não saber falar meu nome, chamava-me de "Pi" e, depois, "Pipi". E ela vivia a me viajar a mundos encantados em que eu era príncipe, guerreiro, herói. Na falta de uma criança, era eu o seu companheiro de travessuras. Vira e mexe, quando me via, incluía grito, corrida e abraço numa só alegria. Nunca pensei que alguém fosse me querer tanto.

Nessa caminhada, arrependo-me de algumas coisas. Um dia, quis ver a repercussão de uma importante vitória do Corinthians. E eu não conseguia me desvencilhar dela pra ver. Aí, vou para o quarto e ela corre atrás de mim me chamando. Entra no quarto chupando o dedo; fico com o coração partido, e a pego no colo. Noutro, queria colar figurinhas no álbum da Monster High. E eu, doido pra ir à Academia, pra uma aula qualquer. No seu "tchau", reconheci uma gotinha de tristeza. Não me perdoo.

Já no primeiro dia definitivo na tal Cidade Maravilhosa, vem a primeira prova de fogo. Falo com a velha casa, e minha mãe passa o telefone para ela, que pergunta: "É hoje que você vai voltar?" Tento represar a emoção; em vão. Parecia um nunca mais difícil de definir. Sabia que morar longe dela seria a pior parte, mas a dimensão de tal perda não estava assim tão clara. E o que vem agora são doses divinais de saudade acumulada e história. Da qual um certo fim de semana de fevereiro é um capítulo pra lá de singular:

(Entro no ônibus para a minha primeira ida a São Paulo no ano. Faço questão de ouvir, de novo, a gravação que ela deixou no meu perfil do What'sApp: "Oi, Pipiiiii! Como você tá?"

Chego à casa dos meus pais exausto. Ela fora dormir na casa da Ruth, sua melhor amiga. Como o meu sono é chato e não pega nem em leito de seis horas, tento aproveitar para dormir um pouco. Não consigo!

Ela chega e, claro, gruda em mim: não me vê desde o Natal. Ainda que pregado, faço uma força pra acompanhar o seu ritmo. Que, por sorte minha, não é tão intenso desta vez. Pede pra ver um desenho e, depois, vai para a internet por algum joguinho. Depois, constrói um bonequinho feito de fita crepe. Com carinha e tudo.

Depois, vai com o pai a uma festinha de aniversário. Eu me planejo pra jantar com um amigo. No intervalo entre um e outro, saio pra almoçar, chego atrasado a um evento na Benedito Calixto e volto pra dar um cochilo. Acordo sem noção de tempo e espaço.

Meu sono fica mais satisfeito com a passagem do domingo. Ela liga e diz que vai ao parque com a mãe. Pede para que eu desça para levar um par de tênis.

Volta do parque no meio da tarde, e quer o meu colo. Sobre pra dar oi pra vovó e me leva ao parquinho. Balança como se ganhasse o ar, pousa no trepa-trepa e joga em mim a areia do escorregador.

O céu ameaça chuva, e a pequena quebra a lógica costumeira: dessa vez, é ela que pede pra subir. Aviso que a casa é muito menos ampla para a imaginação. Não se importa, porque o universo dela não vê espaço.

No meio de tanta avalanche criativa, pede cola, papel e lápis. Escreve letras invertidas, desenha um cachorro que mais se parece um urso e descobre novas possibilidades nesse negócio novo que é ler e escrever. Ela pede mais papel e eu, preocupado com um negócio de computador, me esqueço. Ela cobra: "Você não ia me trazer mais papel?"

A poucos minutos da minha partida de volta, bate um certo lamento. Ela pergunta: "Será que você não pode ir embora amanhã?" Explico que não posso, pois chegaria atrasado ao trabalho. Ela enche uma folha de corações, e pede pra eu desenhar alguns também. Num deles, maior, escrevo: "Felipe ama Bárbara" e testo a sua leitura.

Preparo a mala e, depois, tomo banho e faço a barba. É aí que o lampejo da Suprema Felicidade me
derruba de vez.

E ele se concentrou num grande coração em que se lia, com o desalinho natural de quem engatinha na escrita, o maior presente da minha vida: Bárbara ama Felipe. 

Deu-se então o encontro das águas num mar de emoções. O Solimões carregava a tal gota da Suprema Felicidade. O Negro, trazia lamento por morar tão longe dela. Que eu julgara ter conseguido trancar numa jaula. Ambos me derrubam como nunca. Ela volta pra sala sem entender: A avó tenta explicar, mas é toda eufemismo: "O Pipi ficou emocionado". 

Ainda sobra tempo para viajar no espaço e fazer um piquenique com alguns amiguinhos. Parto no último segundo: o Rio me espera. 

Levo comigo um pouco da alma de quem, confesso, não esperava receber um amor tão grande. Deixo na minha querida Terra da Garoa um pouco da minha história. E a vontade de revivê-la um dia.)