Depois de um ano, eis que volto a assistir a um ensaio de escola de samba. Voltei à Vila Madalena, um berço afetivo. Se no trajeto a chuva castigava, a noite trouxe os últimos raios de lua cheia a iluminar a Pérola Negra.
Ainda tenho fresco na memória o tempo em que a Pérola ensaiava na rua. Em 2001, recém promovida ao especial, tinha a árdua missão de abrir o desfile de sexta. Problemas de várias ordens fizeram com que ela não resistisse na elite àquele tempo.
O encontro da Girassol com a Inácio Pereira da Rocha ainda se preparava. Então, resolvi dar uma volta e presenciar a ferveção dos bares. Também rememorar lances recentes do passado. Hoje Blue TV, o Canal de São Paulo revelou histórias entre bonitas e engraçadas, mas também um desfecho triste. Já a casa verde guarda a importância cívica de erigir uma terceira via nos rumos do país: a candidatura de Marina Silva à Presidência da República.
Na volta, um público mais numeroso já se fazia presente. O evento prometia ir das sete às dez e meia da noite. Entrei e me enturmei com dois companheiros de time. Eles haviam acabado de voltar do Pacaembu felizes com a vitória do Corinthians sobre o Santos por 3 a 1. Já faz um ano que o glorioso alvinegro não é derrotado pelos seus rivais mais próximos.
Minha amiga Fernanda Cataldi acabara de chegar. A companheira de alguns anos de Canal era harmonia da Pérola. Todos comemoravam um bom desempenho no ensaio técnico do dia anterior.
Ao abrir das cortinas, o mestre de cerimônias compartilhava da euforia, mas avisava que o canto ainda poderia ser muito melhor. Hino e exaltação fizeram as honras e não permitiram delongas. O canto, testado desde já. O samba de "Abraão, o patriarca da Fé" começava a tomar conta do recinto. De bela letra, a composição de Mydras, Bola, Carlinhos, Michel e Regianno imprime uma tradição melódica que lembra os sambas anteriores - a repetição das notas não tira a qualidade da letra.
A bateria de Bola mostrava uma cadência redonda, mas preferiu um andamento mais emblemático, sem muitas bossas ou danças. Quando "levanta as mãos para o céu", os ritmistas abandonam o convencionalismo, e os instrumentos bailam no ar - como já fizera Estácio de Sá quinze anos atrás.
Diferente do que aconteceu no ano passado, quando os foliões cantavam dando voltas pela quadra, o ambiente estava devidamente separado. De um lado os donos da festa: passistas, batutuqeiros, músicos e defensores do pavilhão.
Do outro, componentes e sambistas não necessariamente desfilantes - o leque que tentava trazer um pouco de refresco ao calor quase saariano também servia de folheto com a letra do samba, que alguns ainda tentavam pegar. Outros já o tinham em ponto de bala e cantavam com animação. Alguns insinuavam tímidas sambadas, já garantidos na manhã de sábado - a Pérola será a última desfilante da primeira etapa.
A noite agradecia ao samba a reverência boêmia da Vila, recheada de novos amigos e um clima lindamente familiar. Espero, contudo, que a Pérola tenha segredos mais ousados a revelar à avenida. Principalmente na batucada.