quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Uma maravilhosa viagem no tempo - Parte 1

Comandante desta viagem ao passado, Kátia nos convidou
a presenciar a obra de Maria Bonomi
Quando o aniversário de São Paulo começava a bater na porta, decidi não repetir a dose do ano passado. Em 2011, quis muito sair, mas não planejei e desanimei. No começo da semana, pesquisei tudo o que haveria para comemorar os 458 anos da cidade. Sabia que haveria interminável leque de atrações. E, como São Paulo é o microcosmo do mundo, seria impossível abraçá-lo em exíguas 24 horas.

Descobri uma iniciativa muito interessante. Nos fins de semana, o Metrô faz passeios monitorados a pontos importantes do Centro e abriria uma exceção naquela quarta-feira. Fechei o roteiro com o programa especial da CBN que discutiria a São Paulo do futuro e experimentaria o Turismetrô à tarde. O passeio da Liberdade me pareceu bastante promissor.

Quando cheguei ao balcão, próximo às roletas da Sé, era algo como meio-dia e meia. Algumas pessoas já aguardavam. Senhoras, famílias, casais. Funcionários tentavam organizar a fila para não atrapalhar o fluxo. Se durante o dia a cidade não desperta, apenas acerta a sua condição, no feriado ela também não para: apenas diminui um pouco o ritmo.

A São Paulo dos anos 20. Nem sombra
do colosso que é hoje
No formar da fila, resolvi fazer o passeio da Luz. Deixaria a Liberdade para outra ocasião - dessa vez, quem sabe, acompanhado. Esperamos pelo nosso guia à beira do mezanino, onde dois rapazes arriscavam alguns acordes ao piano. A simpaticíssima Katia Cristina ainda arrumava o aparelho que amplificaria sua voz quando já dava as primeiras recomendações. "Como nosso grupo é um pouquinho grande, vamos nos dividir em dois carros. Mas a turma que estiver desgarrada não precisa se preocupar. Estaremos lá em cima esperando por vocês."

Na chegada, a estação que tanto conheço pela rotina rumou para um clima diferente. Parecíamos voltar no tempo embalados por uma obra monumental. O mural da artista italiana Maria Bonomi nos embalava nesta viagem. Dividida em três lances, é um tributo à história e aos povos que modelaram esta fascinante cidade. O amarelo representa o povo nordestino; a branca, os imigrantes europeus; o vermelho, a onda histórica que fez São Paulo saltar da irrelevância para o protagonismo na vida brasileira: o café. O local não poderia ser mais apropriado para tamanha homenagem. Na onda migratória e imigratória, todos os povos se encontravam na Luz. E perdiam muitos objetos, também retratados na obra. "Na sessão de achados e perdidos, encontra-se de tudo. Desde chupetas e mamadeiras até dentaduras", conta Kátia.

E os viajantes do tempo saltam
do mural pra mais história
Mais adiante, o quadro ao lado da escada que leva ao Museu da Língua Portuguesa mostra um pedaço de um passado quase desconhecido - mais pelo que ele não tem mais. Mostrava as origens da região, como a plantação de chá que originava o viaduto que liga a Praça Ramos de Azevedo à Praça do Patriarca. Eis que, como que saídos do mural de Bonomi, uma certa faxineira nordestina encontrava um italiano, que precisava ir à Praça da República. Estava tão entusiasmado o ragazzo que contou das origens da feirinha de artesanato local -  começou com Barros Pimentel, um filatelista que lá vendia selos. Falaram também da enormidade que é o Copan, um edifício tão imenso que cabe a população de cidades inteiras. "Há um CEP só pra eles", contou a moça.

E a misturar eras, os dois rumaram à República. E nós seguimos para a Estação da Luz. Lá novas histórias nos aguardavam.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A São Paulo do futuro

Os céus do 25 de janeiro despertaram vacilantes. Em meu infinito particular, porém, decidi exorcizar a inércia do ano passado e curtir o aniversário da minha cidade. São Paulo completava 458 anos de uma história marcada por desordem e acolhimento. Mui injustamente chamada de feia, a metrópole não tem uma beleza fácil: precisa ser explorada em meandros para ser compreendida e amada.

Mesmo com a receita perfeita para se perder e achar coisas novas, o roteiro estava bem definido. Pela manhã, assistiria ao programa da CBN no Pateo do Collegio, o exato lugar onde a cidade nasceu. Depois, experimentaria o TurisMetrô, iniciativa do Metrô para desbravar o centro da cidade em suas histórias e tesouros escondidos.

São Paulo pareceu seguir a saga do padroeiro que lhe dá nome. Assim como o apóstolo combateu o Mestre em seus primeiros caminhos, a cidade não mostrou de cara o seu verdadeiro potencial. Seu "caminho de Damasco" aconteceu no final do século XIX com o tal negro que virava ouro. Originário de África, o café chegou ao Brasil pelas mãos de Francisco de Melo Palheta via Guiana Francesa e se instalou no norte/nordeste. Mas lá não se adaptou, e veio a São Paulo. Gostou daqui e fez o estado engrandecer.

Da Praça da Sé, a caminhada ao Pateo mostrou uma manifestação pelo dia do bem. Pela pequena rua que a ele dava acesso, deu pra ver uma pequena multidão organizada em fila. Parecia a princípio para o programa. "Devia ter acordado mais cedo". Vendo mais de perto, deu pra perceber que era para um passeio de trólebus. A reflexão pela tal "sustentabilidade" não se esgota em palavras, mas também em sinais.

Não significava que a atração radiofônica estivesse pouco concorrida. O eco de Manoel da Nóbrega pedia para que nele não se apoiasse, porque ele poderia cair. Lugares nos pufes já não havia mais: só restava ficar de pé. Muitos dos presentes, fãs da ótima Tulipa Ruiz, que daria o som ao lado de Marcelo Jeneci.

Apesar de repleto de gente que ama São Paulo, prevaleceu o tom questionador. "Falamos mal porque queremos bem. Se quisermos um futuro melhor, não podemos perder o olhar crítico", defendeu Juca Kfouri. Já para Gilberto Dimenstein, a cidade será sempre tensa, mas, portadora de grandes talentos, poderia abrigar um parque tecnológico. "É uma pena que o poder público não olhe para este lado".

Dimenstein chegara pouco depois do início do programa. Fora saudado por outro atrasado, o gaúcho Milton Jung. Ele chegara de Porto Alegre para fazer um teste na Globo, passou e acabou ficando. Trajava uma camisa com os seguintes dizeres: "Controle um político antes que ele controle você". A que José Luis Portella emendou: "O voto distrital é fundamental para isso". O evento aconteceu em paralelo com um protesto em frente à Catedral da Sé, ali perto. Soube-se depois que o prefeito Gilberto Kassab recebera uma saraivada de ovos e quase recebeu o diploma de pior governante municipal. Justiça seja feita: embora deixe a desejar, Kassab não foi pior do que o padrinho Maluf e seu "primo" político Celso Pitta.

Multitarefas, Juca ainda acompanhava pela internet a final da Copinha, entre Corinthians e Fluminense. "Não se chamar Corinthians é o erro mais indesculpável desta cidade". Mas o comentarista não perdeu a seriedade e o costumeiro senso de protesto ao falar dos prefeitos. "Quem dera eles cuidassem da cidade como uma dona-de-casa cuida de seu lar". Em seus comentários não sobrou pedra sobre pedra: bateu nos tucanos pela ação na cracolândia; em Marta Suplicy, pela campanha preconceituosa contra Kassab; e no PT, porque acreditou ter errado ao não apostar em Marta. "Ela, acertadamente, priorizou a periferia, mas foi abandonada pelo seu próprio partido".

O ótimo Ruy Ohtake esteve duplamente presente: em corpo e obra. Ele desenhou o painel que serviu de cenário ao programa, em que continha a transformação das moradias de Heliópolis por ele iniciada e projetos de outras metrópoles que poderiam ser úteis à capital. Ele sugeriu a transformação da zona leste em um grande parque esportivo e a maior participação de arquitetos contemporâneos na imagem da cidade. "Todos nós temos direito à beleza", ponderou Dimenstein.

O tom predominantemente crítico do programa se mostrou necessário, já que São Paulo tem de fato tantos problemas quanto as suas medidas. O futuro só se constrói quando atacamos as mazelas do presente. Mas creio que um tom positivo também seria importante, porque mostrariam as armas para melhorarmos uma cidade caótica, mas mesmo assim fascinante.