domingo, 5 de fevereiro de 2012

A São Paulo do futuro

Os céus do 25 de janeiro despertaram vacilantes. Em meu infinito particular, porém, decidi exorcizar a inércia do ano passado e curtir o aniversário da minha cidade. São Paulo completava 458 anos de uma história marcada por desordem e acolhimento. Mui injustamente chamada de feia, a metrópole não tem uma beleza fácil: precisa ser explorada em meandros para ser compreendida e amada.

Mesmo com a receita perfeita para se perder e achar coisas novas, o roteiro estava bem definido. Pela manhã, assistiria ao programa da CBN no Pateo do Collegio, o exato lugar onde a cidade nasceu. Depois, experimentaria o TurisMetrô, iniciativa do Metrô para desbravar o centro da cidade em suas histórias e tesouros escondidos.

São Paulo pareceu seguir a saga do padroeiro que lhe dá nome. Assim como o apóstolo combateu o Mestre em seus primeiros caminhos, a cidade não mostrou de cara o seu verdadeiro potencial. Seu "caminho de Damasco" aconteceu no final do século XIX com o tal negro que virava ouro. Originário de África, o café chegou ao Brasil pelas mãos de Francisco de Melo Palheta via Guiana Francesa e se instalou no norte/nordeste. Mas lá não se adaptou, e veio a São Paulo. Gostou daqui e fez o estado engrandecer.

Da Praça da Sé, a caminhada ao Pateo mostrou uma manifestação pelo dia do bem. Pela pequena rua que a ele dava acesso, deu pra ver uma pequena multidão organizada em fila. Parecia a princípio para o programa. "Devia ter acordado mais cedo". Vendo mais de perto, deu pra perceber que era para um passeio de trólebus. A reflexão pela tal "sustentabilidade" não se esgota em palavras, mas também em sinais.

Não significava que a atração radiofônica estivesse pouco concorrida. O eco de Manoel da Nóbrega pedia para que nele não se apoiasse, porque ele poderia cair. Lugares nos pufes já não havia mais: só restava ficar de pé. Muitos dos presentes, fãs da ótima Tulipa Ruiz, que daria o som ao lado de Marcelo Jeneci.

Apesar de repleto de gente que ama São Paulo, prevaleceu o tom questionador. "Falamos mal porque queremos bem. Se quisermos um futuro melhor, não podemos perder o olhar crítico", defendeu Juca Kfouri. Já para Gilberto Dimenstein, a cidade será sempre tensa, mas, portadora de grandes talentos, poderia abrigar um parque tecnológico. "É uma pena que o poder público não olhe para este lado".

Dimenstein chegara pouco depois do início do programa. Fora saudado por outro atrasado, o gaúcho Milton Jung. Ele chegara de Porto Alegre para fazer um teste na Globo, passou e acabou ficando. Trajava uma camisa com os seguintes dizeres: "Controle um político antes que ele controle você". A que José Luis Portella emendou: "O voto distrital é fundamental para isso". O evento aconteceu em paralelo com um protesto em frente à Catedral da Sé, ali perto. Soube-se depois que o prefeito Gilberto Kassab recebera uma saraivada de ovos e quase recebeu o diploma de pior governante municipal. Justiça seja feita: embora deixe a desejar, Kassab não foi pior do que o padrinho Maluf e seu "primo" político Celso Pitta.

Multitarefas, Juca ainda acompanhava pela internet a final da Copinha, entre Corinthians e Fluminense. "Não se chamar Corinthians é o erro mais indesculpável desta cidade". Mas o comentarista não perdeu a seriedade e o costumeiro senso de protesto ao falar dos prefeitos. "Quem dera eles cuidassem da cidade como uma dona-de-casa cuida de seu lar". Em seus comentários não sobrou pedra sobre pedra: bateu nos tucanos pela ação na cracolândia; em Marta Suplicy, pela campanha preconceituosa contra Kassab; e no PT, porque acreditou ter errado ao não apostar em Marta. "Ela, acertadamente, priorizou a periferia, mas foi abandonada pelo seu próprio partido".

O ótimo Ruy Ohtake esteve duplamente presente: em corpo e obra. Ele desenhou o painel que serviu de cenário ao programa, em que continha a transformação das moradias de Heliópolis por ele iniciada e projetos de outras metrópoles que poderiam ser úteis à capital. Ele sugeriu a transformação da zona leste em um grande parque esportivo e a maior participação de arquitetos contemporâneos na imagem da cidade. "Todos nós temos direito à beleza", ponderou Dimenstein.

O tom predominantemente crítico do programa se mostrou necessário, já que São Paulo tem de fato tantos problemas quanto as suas medidas. O futuro só se constrói quando atacamos as mazelas do presente. Mas creio que um tom positivo também seria importante, porque mostrariam as armas para melhorarmos uma cidade caótica, mas mesmo assim fascinante.

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