Ensolarada, a Fradique luzia movimentada. Chegara cedo para a entrevista. Estava tão surpreso que nem se lembrara de ter mandado o currículo. Uma oportunidade que há muito ansiava. Mas, a cada suspiro, queria expulsar o nervosismo. Em vão. Naquela sala pouco ampla, mas muito clara, contemplava um burburinho de luzes, câmeras e maquiagens. Os flashes salpicavam o ambiente. Ensaio fotográfico.
No intervalo, a modelo sentara a seu lado para descansar. Usava saia rendada e camiseta preta. Sua beleza não se contentava com o que se via de fora. Algo irradiava sabe-se lá de onde. "Veio falar com o homem?" Assentiu. "Boa sorte!"
A bela surpreendera-o. Não era comum alguém com tamanha exuberância irradiar simpatia. Aquela adrenalina do começo sumiu por completo, como que por encanto. A conversa com o homem, dono da empresa, fluiu mais calma. No fim das contas, não era bem aquilo o que planejava, mas topou o negócio. Começaria no dia seguinte.
Assim conheceu Diana, a moça que parecia esculturada em outro mundo. Não pela formosura do corpo, que não chegava a ser gigantesca, mas pelo conjunto que formava com a virtuosidade que transbordava do seu espírito. A princípio, encantou-se de paixão. Quis fazer-lhe gracejos, como dar flores e chocolates. Bobagem! Ela já tinha alguém. Sonho distante, mas naquele coração não entraria pela porta da frente.
De tão infantil, a paixão logo escorreu pelo ralo do inconsciente. Mas o amor ressurgiu de maneira fraternal. A admiração vinha não só daquela combinação de belezas que ela possuía, mas também de talento e impetuosidade de se jogar nas aventuras mais arriscadas. A ele sobrava um, mas faltava boa dose da outra. Tal reverência fazia parte de uma pequena reforma de persona que queria fazer. Também sabia ter dela algum afeto; só não sabia quanto. Não acreditava muito nessa história de incondicionalidade; achava que as pessoas tinham o direito de querer ser amadas.
Certo dia, indicado por ela, ganhou nova função: cobriria as suas folgas. Naquele momento, a amizade tornara-se mais intensa de parte a parte. No serviço, começou claudicante, mas aos poucos foi se habituando. Inversamente proporcional era a dificuldade de lidar com o seu chefe direto. Uma vez, o facínora achou que tinha o direito de vociferar contra ele na frente dos outros. Noutra, criticava-o pelas costas. O sujeito era de lua: até que não era mau, mas alternava bom humor com estrelismo.
Diana já não mais alimentava o tal amor distante. Apesar de tão linda, esse tal cupido tinha com ela uma relação de conflito. "Ninguém quer namorar comigo.", disse certa vez. Ele discordou com uma mistura de ironia e verdade: "Bobagem! A fila de pretendentes vai até a Doutor Arnaldo". É... Alguma coisa os dois tinham em comum.
Mas a relação não se via livre de desapontamentos. Dia desses, ele quis comemorar o aniversário, mas foi deixado na mão pelos convidados. Diana disse que o primo também comemoraria o seu no mesmo dia. Pensou que ela poderia ter dado uma passada no seu. E não era a primeira vez que fizera isso. Via a balança de sentimentos pender contra si, mas perdoou.
No fim do ano, deixou a empresa, mas manteve os contatos com ela e os demais colegas. Aí, soube pelo Cláudio que lhe morrera a irmã. Sentiu-se na obrigação de confortá-la. Não fora aos funerais, mas comprou uma flor e escreveu-lhe uma carta. Nela, dizia que, mesmo sabendo da necessidade que a vida impunha de encarar feridas, lamentava não poder sofrer por ela. Uns cinco dias depois, foi até lá e concentrou num abraço toda a ternura possível. "Hoje estou um pouco mais forte.", disse. A quem ela tentava enganar? Estava bastante fragilizada e carente. Precisava daquele gesto. Dias depois, disse a ele que a flor se abriu como nunca. "Minha mãe me disse que era fruto do carinho com que ela foi dada."
Mas a tal balança de sentimentos mais uma vez entrou em ação contra ele. Recebera um par de convites para um show. Como era um de seus artistas favoritos, não abriria mão de estar presente. Mas saía pouco, vivia por muitas vezes solitário e não era um popular. Carecia, e muito, de boas amizades. Então, resolveu tomar coragem para convidá-la, porque não suportava a idéia de ir sozinho. Não fraquejou, mas gaguejou. E mal pôde formular as palavras. Perspicaz como nunca, Diana concluiu. "Você quer que eu vá com você? Ah, tudo bem."
Suspirou de alívio e felicidade. Não, a paixão de outrora não renascera. Mas o amor, sentimento universal, é muito maior do que imagina a superficial sabedoria humana. Amava-a, sim; mas não queria casar-se com ela. Até porque, imaginava, tinha poucas chances de dar certo, já que as personalidades não se pareciam tanto assim.
Preparou-se para o evento como nunca. Cortou o cabelo, barbeou-se e escolheu a melhor roupa. Mas toda a sensação de júbilo de dois dias antes escorrera para junto da tal paixão um dia sentida por ela. Diana mandou um recado pelo celular dizendo que, por motivos de força maior, não poderia ir. Não acreditou no que acabara de ler, e ligou para ela. Diana pediu mil desculpas, mas confirmou: teria de levar o pai a uma consulta médica, e não voltaria a tempo.
Não tinha certeza de nada, mas sentiu naquilo uma desculpa. Teria aceitado o convite por medo de magoar, e tentou arrumar uma forma de desfazê-lo. Talvez achasse não ter feito tão mal. Ocorre que, quando ela disse o “sim”, fez nascer nele uma poderosa sensação de felicidade e esperança. A vida parecia fazer sentido; e, ao declinar, fez tudo isso desmoronar. Destruiu-o, e a mágoa rasgava-o como alma em frangalhos. Teria sido menos doloroso se ela recusasse logo de cara.
Mais uma vez, teve de se contentar com a solidão. A apresentação fora sublime, mas incompleta. O que já foi desapontamento virou uma grande decepção. A tal balança de sentimentos pesava definitivamente contra ele. Amava-a demais, e era porcamente correspondido. Quase achou que não significava nada para Diana. Resolveu não mais alimentar tal sentimento; continuava gostando dela, mas a admiração gigantesca de outrora jamais seria a mesma dali pra frente.