O programa Notícia em Foco, da CBN, fez ontem uma edição especial, com plateia. Fiquei sabendo por acaso, num átimo de segundo, pelo rádio. Soube da presença de
Eliane Brum, repórter especial da Época de cujos textos gosto muito.
O anúncio passou rápido, e fui procurar detalhes na internet. Aconteceria no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Paulista. Estaria presente também Lourival Sant'Anna, do Estadão. Na página correspondente, não havia cadastro. Apenas um aviso segundo o qual estaria "sujeito à lotação do auditório". Bom, então era melhor chegar cedo, porque poderia bombar. Veio-me a sabatina com o
Ronaldo Fenômeno na mente, quando cheguei faltando poucos minutos para começar e só arrumei um bom lugar por pura sorte.
Me surpreendi com a pouca concorrência: entrar foi muito sossegado. Mariza Tavares, uma das apresentadoras, deu-nos as boas vindas. Eliane e Roberto Nonato também já estavam presentes. Tal como acontece na sabatina da Folha, as cadeiras se apresentavam de maneira circular. Ao fundo, um marcador digital registrava as horas. "Mas ele nunca está certo", disse a bem humorada Mariza. Sant'Anna chegaria dali a instantes.
Ainda faltavam vinte e cinco minutos para o programa começar. Uma senhora de sotaque estrangeiro a meu lado reclamou do atraso. Achou que começaria às seis e meia, mas estava marcado para as sete. Ela ainda me recomendou outros eventos envolvendo jazz e cinema judaico. Conversei também com duas mulheres e um homem sobre o acidente com Felipe Massa e a polêmica dos fretados que assola São Paulo. Se cada minuto no rádio é uma eternidade, ela passou veloz.
E o programa começou. Tímida, a voz de Eliane mal saía do microfone. Mas mesmo assim deu uma verdadeira aula. Quando ainda era repórter do Zero Hora (jornal gaúcho) contou que percorreu por telefone as delegacias de Porto Alegre e região em busca de algum crime. Mas a notícia que a esperava beirou o absurdo. "Guria, aqui tá tão tranquilo que temos uma galinha presa." Aí, ela teve de ir a Sapucaia conferir. "Se eu só contasse, ninguém acreditaria". E a ave estava lá, presa por "atitude suspeita". Ela era parda.
"A realidade é bem mais interessante do que qualquer ficção". Foi com essa máxima que Lourival concluiu uma experiência vivida na Turquia. O Papa Bento XVI visitaria o país em um momento de tensão. Ele havia relacionado o islamismo à violência, o que gerou uma revolta entre os muçulmanos. Quando o repórter chegou, foi direto ao memorial de Kemal Ataturk, o fundador da república da Turquia. No trajeto, a sua intérprete lhe disse ter um amigo que acreditava ser o jornalista um profissional que "mente bem". Chegou e entrevistou um casal de camponeses que só estava ali para honrar Ataturk, e não estava nem aí para a visita do Papa.
Para Eliane, a preparação de uma reportagem é a busca para "se perder". "O melhor da reportagem é quando tudo dá errado. Porque 'tu encontrou' algo que não tava no script". Ela sustenta ainda que o repórter deve se despir de todos os seus preconceitos e opiniões para produzir uma matéria. Em palavras suas: ir a campo vazio para ser preenchido pela história. E usa como exemplo a experiência de morar na Favela da Brasilândia (zona norte de São Paulo), onde quis descobrir o cotidiano dos moradores locais, e encontrou encontrou humanidade e intensas histórias de amor... de cachorros. Segundo ela, se estivesse na cabeça as imagens pré-fabricadas de tráfico e tiroteio, a matéria não teria a mesma qualidade. "'Tu fica' cego, e repórter não pode ser cego"
Curioso foi constatar como cada um deles lida com a notícia. Eliane vivencia a experiência. Ela conta que foi a responsável por retratar os últimos dias de uma paciente terminal de câncer. Sentiu que Ailce lhe tinha dado confiança, e era "a dona" de uma história que a doente jamais leria. Uma angústia recorrente sua é não conseguir transformar em palavras todas as nuances da notícia. "O pior de tudo é descobrir a frase certa às três da manhã, quando a revista já fechou. Eu fico grávida das minhas matérias".
Sant'Anna prefere uma distância cirúrgica. "Dedico tanta energia a descobrir a história e conquistar a confiança do entrevistado que não dá tempo de sentir emoções. Mas nem por isso ele deixou de viver emoções fortes. Na cobertura da guerra entre Rússia e Geórgia, fora sequestrado e teve um fuzil apontado para a sua cabeça. Num instinto, puxou a maçaneta do carro, um Lada em frangalhos, e saltou. No mesmo dia, teve outra arma apontada para a sua garganta. "Disseram depois que eu tenho cara de georgiano" (risos)
Mas Lourival e Eliane têm muitos pensamentos em comum. Um deles diz respeito à complexidade que o tempo jornalístico não permite traduzir. "O lead com todas aquelas perguntas - quem, o quê, quando - , é algo ultrapassado", diz Lourival. Ele conta que a pirâmide invertida - texto com as informações mais importantes vindo em primeiro lugar - apareceu no século XIX, na guerra entre EUA e Espanha. As notícias eram dadas por telex, e o aparelho poderia "cortar" trechos importantes. Por isso, o essencial vinha na frente. "Mas isso aconteceu há 100 anos", completa. "A notícia tem cheiro, textura", concorda Eliane. Na opinião da repórter da Época, o que um entrevistado deixa de dizer, os gestos e a forma como ela conta uma história é tão importante quanto a história em si.
Reflxões acerca dos destinos do jornalismo impresso também foram compartilhadas por eles. Para Lourival, o jornal de papel continua chato, e precisa de uma reforma, já que a internet ocupou um espaço importante. Já Eliane acredita que as pessoas não estão sendo retratadas e muitas histórias não são contadas. "A gente virou as costas para a Amazônia. O nosso fervor nacionalista se dói quando algum estrangeiro fala dela com alguma propriedade, mas não damos a ela o devido valor." O repórter do Estadão esteve em um trecho da floresta e de lá trouxe histórias fantásticas, que não são contadas no eixo "principal" do país. "Restringir o Brasil ao que acontece em Rio, São Paulo e Brasília nos tira da realidade" diz Eliane.
Tanta eternidade - e tantas outras - em apenas uma hora. Deixei o Conjunto Nacional com a sensação de que este jornalista ainda tem muito feijão a comer pelas reportagens da vida.