sábado, 15 de agosto de 2009

Ensaio Sobre a Cegueira: excelente, mas perturbador

Um japonês de repente perde a visão. Sua esposa o leva ao oftalmologista e, no dia seguinte, ambos também ficam cegos. A epidemia se espalha de tal forma que os infectados são enclausurados em um hospício. O problema é que, em toda a cidade, a única viv'alma sobrevivente é a esposa do oftalmologista, na pele de Julianne Moore (a estrela da companhia).

"Ensaio Sobre a Cegueira", baseado no romance homônimo de José Saramago, cobre os olhos de branco para descobrir nuances da moral humana. O local de isolamento passa longe de provisório: torna-se um presídio, com a conflagração de alas rivais. A de número 3, chefiada por Gael Garcia Bernal, passa a confiscar os alimentos em troca de benesses. Primeiro, objetos pessoais. Depois, a dignidade das mulheres. A situação fica tão insustentável que a mulher do médico mata o chefe da ala 3.

Diante de tal cenário, a única que enxerga passa a carregar uma cruz quase insustentável. No meio da catarse, em que o destino de todas aquelas pessoas passam inapelavelmente pelas suas mãos, seu casamento é colocado em cheque, e os valores desmoronam como água. Se por um lado a cegueira desperta sentimentos os mais primitivos, como a guerra por comida, por outro traz à luz uma forte noção de solidariedade.

No Novo Testamento vinha a busca por uma explicação. Antes de se tornar apóstolo, Saulo perseguia e matava cristãos. Na famosa missão de Damasco, em que procurava pelo cristão Barnabé, Jesus aparece em clarão e pergunta: "Saulo, por que me persegues?" A visão o deixou cego por dias. Quando voltou a enxergar, se converteu e passou a se chamar Paulo.

Concentração de todas as cores, o branco predominante é sombrio por catalizar a consciência humana em suas misérias. Mas é no despertar da virtude que a cegueira encontra sua redenção. E aí, é o preto que assume um caráter purificador. Fernando Meirelles mantém o time que ganhou em "Cidade de Deus" e troca a ação pelo psicológico com maestria.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Minha vida como morto

No 'Notícia em Foco' de segunda feira passada, Eliane Brum, repórter especial de Época, disse ter voltado exaurida de uma matéria que fez. "Não posso adiantar nada, pois a matéria não saiu, ainda."

Aí, pego a revista da semana e leio a história de Paulo Cezar dos Santos, o homem que, para a burocracia, está morto graças a um erro de registro. Tal condição atrai tantos fantasmas que o pobre homem tem medo de morrer de verdade.

Mas é o texto, belíssimo, que fala por si. Confira aí:

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Reflexão sobre os pontos corridos

Vamos falar um pouco de futebol... apesar da fase horrorosa pela qual o Corinthians passa, me bateu na mente um ponto interessante a ser discutido.

Sempre fui a favor do sistema de pontos corridos no Campeonato Brasileiro, porque premia quem se organiza melhor, e ganha quem é efetivamente melhor.

Por outro lado, ele traz um efeito que, a meu ver, é maléfico: ele diminuiu a importância do título brasileiro. Se por um lado muitos clubes, cientes de suas limitações, traçam objetivos diferentes na competição (há os que querem chegar à Libertadores, os que almejam a Sul-Americana e os que apenas desejam terminar em uma posição digna - ou seja, permanecer na Série A), por outro a maioria deles perdeu a gana pelo prêmio principal de qualquer campeonato.

No mata-mata, com todos os seus muitos defeitos, isso não acontece.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Sobre o diploma

Ainda sobre o Notícia em Foco de segunda-feira passada...

Para Lourival Sant'Anna, repórter especial do Estadão, a formação jornalística pura não acontece em outro lugar que não seja a faculdade de comunicação. Já Eliane Brum, de Época, vê a universidade como o palco principal para debates acerca da ética na profissão.

Sant'Anna se disse a favor do curso, mas não do diploma. Entendi o que ele quis dizer, mas a meu ver, o diploma não se dissocia do curso em si.




terça-feira, 4 de agosto de 2009

Notícia em Foco: uma reflexão

O programa Notícia em Foco, da CBN, fez ontem uma edição especial, com plateia. Fiquei sabendo por acaso, num átimo de segundo, pelo rádio. Soube da presença de Eliane Brum, repórter especial da Época de cujos textos gosto muito.

O anúncio passou rápido, e fui procurar detalhes na internet. Aconteceria no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Paulista. Estaria presente também Lourival Sant'Anna, do Estadão. Na página correspondente, não havia cadastro. Apenas um aviso segundo o qual estaria "sujeito à lotação do auditório". Bom, então era melhor chegar cedo, porque poderia bombar. Veio-me a sabatina com o Ronaldo Fenômeno na mente, quando cheguei faltando poucos minutos para começar e só arrumei um bom lugar por pura sorte.

Me surpreendi com a pouca concorrência: entrar foi muito sossegado. Mariza Tavares, uma das apresentadoras, deu-nos as boas vindas. Eliane e Roberto Nonato também já estavam presentes. Tal como acontece na sabatina da Folha, as cadeiras se apresentavam de maneira circular. Ao fundo, um marcador digital registrava as horas. "Mas ele nunca está certo", disse a bem humorada Mariza. Sant'Anna chegaria dali a instantes.

Ainda faltavam vinte e cinco minutos para o programa começar. Uma senhora de sotaque estrangeiro a meu lado reclamou do atraso. Achou que começaria às seis e meia, mas estava marcado para as sete. Ela ainda me recomendou outros eventos envolvendo jazz e cinema judaico. Conversei também com duas mulheres e um homem sobre o acidente com Felipe Massa e a polêmica dos fretados que assola São Paulo. Se cada minuto no rádio é uma eternidade, ela passou veloz.

E o programa começou. Tímida, a voz de Eliane mal saía do microfone. Mas mesmo assim deu uma verdadeira aula. Quando ainda era repórter do Zero Hora (jornal gaúcho) contou que percorreu por telefone as delegacias de Porto Alegre e região em busca de algum crime. Mas a notícia que a esperava beirou o absurdo. "Guria, aqui tá tão tranquilo que temos uma galinha presa." Aí, ela teve de ir a Sapucaia conferir. "Se eu só contasse, ninguém acreditaria". E a ave estava lá, presa por "atitude suspeita". Ela era parda.

"A realidade é bem mais interessante do que qualquer ficção". Foi com essa máxima que Lourival concluiu uma experiência vivida na Turquia. O Papa Bento XVI visitaria o país em um momento de tensão. Ele havia relacionado o islamismo à violência, o que gerou uma revolta entre os muçulmanos. Quando o repórter chegou, foi direto ao memorial de Kemal Ataturk, o fundador da república da Turquia. No trajeto, a sua intérprete lhe disse ter um amigo que acreditava ser o jornalista um profissional que "mente bem". Chegou e entrevistou um casal de camponeses que só estava ali para honrar Ataturk, e não estava nem aí para a visita do Papa.

Para Eliane, a preparação de uma reportagem é a busca para "se perder". "O melhor da reportagem é quando tudo dá errado. Porque 'tu encontrou' algo que não tava no script". Ela sustenta ainda que o repórter deve se despir de todos os seus preconceitos e opiniões para produzir uma matéria. Em palavras suas: ir a campo vazio para ser preenchido pela história. E usa como exemplo a experiência de morar na Favela da Brasilândia (zona norte de São Paulo), onde quis descobrir o cotidiano dos moradores locais, e encontrou encontrou humanidade e intensas histórias de amor... de cachorros. Segundo ela, se estivesse na cabeça as imagens pré-fabricadas de tráfico e tiroteio, a matéria não teria a mesma qualidade. "'Tu fica' cego, e repórter não pode ser cego"

Curioso foi constatar como cada um deles lida com a notícia. Eliane vivencia a experiência. Ela conta que foi a responsável por retratar os últimos dias de uma paciente terminal de câncer. Sentiu que Ailce lhe tinha dado confiança, e era "a dona" de uma história que a doente jamais leria. Uma angústia recorrente sua é não conseguir transformar em palavras todas as nuances da notícia. "O pior de tudo é descobrir a frase certa às três da manhã, quando a revista já fechou. Eu fico grávida das minhas matérias".

Sant'Anna prefere uma distância cirúrgica. "Dedico tanta energia a descobrir a história e conquistar a confiança do entrevistado que não dá tempo de sentir emoções. Mas nem por isso ele deixou de viver emoções fortes. Na cobertura da guerra entre Rússia e Geórgia, fora sequestrado e teve um fuzil apontado para a sua cabeça. Num instinto, puxou a maçaneta do carro, um Lada em frangalhos, e saltou. No mesmo dia, teve outra arma apontada para a sua garganta. "Disseram depois que eu tenho cara de georgiano" (risos)

Mas Lourival e Eliane têm muitos pensamentos em comum. Um deles diz respeito à complexidade que o tempo jornalístico não permite traduzir. "O lead com todas aquelas perguntas - quem, o quê, quando - , é algo ultrapassado", diz Lourival. Ele conta que a pirâmide invertida - texto com as informações mais importantes vindo em primeiro lugar - apareceu no século XIX, na guerra entre EUA e Espanha. As notícias eram dadas por telex, e o aparelho poderia "cortar" trechos importantes. Por isso, o essencial vinha na frente. "Mas isso aconteceu há 100 anos", completa. "A notícia tem cheiro, textura", concorda Eliane. Na opinião da repórter da Época, o que um entrevistado deixa de dizer, os gestos e a forma como ela conta uma história é tão importante quanto a história em si.

Reflxões acerca dos destinos do jornalismo impresso também foram compartilhadas por eles. Para Lourival, o jornal de papel continua chato, e precisa de uma reforma, já que a internet ocupou um espaço importante. Já Eliane acredita que as pessoas não estão sendo retratadas e muitas histórias não são contadas. "A gente virou as costas para a Amazônia. O nosso fervor nacionalista se dói quando algum estrangeiro fala dela com alguma propriedade, mas não damos a ela o devido valor." O repórter do Estadão esteve em um trecho da floresta e de lá trouxe histórias fantásticas, que não são contadas no eixo "principal" do país. "Restringir o Brasil ao que acontece em Rio, São Paulo e Brasília nos tira da realidade" diz Eliane.

Tanta eternidade - e tantas outras - em apenas uma hora. Deixei o Conjunto Nacional com a sensação de que este jornalista ainda tem muito feijão a comer pelas reportagens da vida.

sábado, 1 de agosto de 2009

Uma proposta mais que decente

Lúcia preparava a comemoração de seu oitavo aniversário de casamento com André. Jantar, velas, vinho. Ele a presenteia com flores, e a celebração parecia caminhar sem sustos... Não fosse por Marcelo.

Desesperado, ele pede ao amigo que empreste a sua mulher para dar prosseguimento a uma mentira há muito arquitetada: fingir ao tio Juventus, milionário fazendeiro dos pampas que chegara à cidade, que é marido dela. O velho chega trazendo muito mais do que chapéu, bombachas e chimarrão. Traz também uma verdadeira caixa de pandora que assombra os farsantes e transforma para sempre as suas vidas.

"Proposta Indecente" é uma comédia de Duarte Gil que entrelaça amizade, falsidade, ganância e traição numa história divertida. Usa do humor, digamos, "sexual" como uma ferramenta necessária ao andamento da história, e não se escora nele para baratinar.

Afiado, o elenco tem desenvoltura para escapar das armadilhas "off script" de cada encenação, como o sensacional "me perdi" de Lúcia e o "você me bateu", de Marcelo para André. O time estabeleceu com o texto uma relação simbióticamente engraçada. Igor Kowalewski (André), Rodrigo Feldman (Marcelo) e a lindíssima Ana Paula Vieira (Lúcia) são muito bons. Mas quem brilha é Denis Derkian, o tio Juventus, numa espécie de "Analista de Bagé" mais suave.

Proposta indecente tem cenário caprichado e é bem produzido. O texto explora todas as possibilidades da trama. A despeito do final um tanto cruel, Proposta Indecente faz rir sem ser apelativa demais.