O clássico do povo luzia o Pacaembu de merecida multidão. Na ida, o Flamengo vencera por 2 a 0, mas os fiéis fizeram valer a sua esperança.
Eu e meu tio Jairo ficamos numa amarela ainda sem divisão. O Corinthians atacaria para o lado do portão principal. De lá, vimos formar um dos coloridos mais bonitos do futebol brasileiro: o embate do branco com o vermelho, tendo o preto como elemento ambíguo. As cores mais amadas da nação.
O passado majestoso encontrava um futuro heroico. O galinho por quem tanto torci quando de amarelo se vestia agora de oponente.
Do lado de cá do tempo, do alto dos 57 anos, o rei Arthur da távola rubro-negra já se vestira de história. Recebeu a reverência principalmente de seus palacianos, mas não só deles. Torcedores de todos os matizes também traziam os seus aplausos.
Logo de cara, o santista Xico Sá cumpre a obrigação de jornalista, mas descortina amargas lembranças: "Você acha que a sua participação no governo Collor foi um 'pênalti perdido' na sua vida?" Zico conta que assumira a posição de secretário mais para trabalhar pelo esporte no país. Para ele, o então presidente tinha boas ideias, mas aquelas que ele implantaria bateram de frente com setores que o apoiaram na eleição. Collor engavetou a lei. E, quando viu sem o necessário acesso direto ao presidente, pediu as contas e foi embora.
Também não fugiu do pau na hora de falar da Copa de 86. Para ele, era frustrante ter perdido a chance de dar vantagem ao Brasil em um duelo de titãs como aquele. E colocou-se em posição parecida com a de Barbosa, o goleiro da trágica campanha de 50. Algum tempo antes de o goleiro morrer, convidara para um evento todos os jogadores que defenderam a Seleção nas Copas do Mundo. Estavam presentes até jogadores das longínquas 30 e 34. "Ele dizia que a maior pena para um condenado no Brasil é de 30 anos. A dele já havia passado de 50. A minha vai fazer 24."
O episódio é lembrado, mas não vejo Zico como o Cristo daquela derrota. Até porque quem lembra sabe que ele ainda convalescia de uma contusão. Mesmo assim, Zico assumiu a responsabilidade.
Lá do passado, Neto fazia jus à letalidade de sua perna esquerda e punha o Corinthians na frente. Não durou tanto assim. Zico aproveita cruzamento da esquerda e empata de cabeça. Para seguir adiante, precisávamos fazer mais três gols...
Aí, o teatro Folha apagou-se. Qual câncer, o blecaute espalhou-se por boa parte de Higienópolis. Depois de um segundo de estupor e autógrafos, José Henrique Mariante, o editor de Esportes da Folha, deu um jeito de a sabatina continuar: eles aproximaram as cadeiras do público e prosseguiram à capela. Aqui e ali, algum entrevero. Um convidado ralhara com um jornalista que transmitia o evento pelo celular: "Ei! Desliga essa m...."
O galinho lembrou que o técnico Cláudio Coutinho introduziu o treinamento tático. "O jogador brasileiro gosta mais de coletivos e treinos de fundamentos. Ele mudou isso." Quando Paulo Cesar Carpegiani trocou de jogador para técnico, assimilou todas as lições e levou o Flamengo aos títulos da Libertadores e o mundial.
E não é que os gols aconteceram? Neto voltou a balançar a rede de Cantarelli, e Giba deixou o Corinthians a um passo da redenção. Da arquibancada, uma loucura. Mas os macacos velhos do Flamengo equilibraram as ações e passaram a jogar melhor. Em desespero, os corintianos paravam o jogo com falta atrás de falta.
Mas aí, a bola sobra para Eduardo do bico da grande área. Tudo virou câmara lenta. A pequena fazia uma decolagem rasante em curva, rumo ao canto superior direito do gol. Cantarelli projetava-se em desesperado salto para interceptar o voo. Não impusera força nem elasticidade suficientes: ela chegara ao seu destino.
O Paulo Machado mal conseguia conter a explosão alvinegra. Jairo desabalara para o alambrado para tirar uma com os flamenguistas ao lado. A classificação estava quase sacramentada...
Zico tratou de revelar o fim das rusgas com Romário. A história começa em 98, quando o Baixinho havia sido cortado da Copa da França por contusão. Revoltado. o craque fizera uma charge com ele e Zagallo no banheiro do seu bar. Zico o processou. "Uma coisa é você fazer uma brincadeira. Outra é me denegrir. Não queria um tostão dele, mas fui nesse processo até o fim em defesa da minha imagem. E ganhei!" No fim das contas, anos depois, Romário reconheceu que ele não foi o responsável pelo seu corte.
Mas, nos minutos finais, a zaga corintiana marca bobeira, e Junior toca na saída de Ronaldo, o Giovanelli. Faltou pouco, mas parávamos por ali. Empatamos na diferença de gols, mas o Flamengo seguiria em frente por ter feito tentos fora de casa. Peça de desfecho desolador, mas de espetáculo dos mais bonitos. O Corinthians cairia, mas de cabeça erguida.
Zico falou ainda de Copa da África e Ronaldinho. Fez dura crítica contra a falta de alternância de poder nos principais órgãos esportivos do país ("Não é possível que só tenham essas pessoas para comandar o nosso esporte"). E que não pretende voltar a ser técnico, já que agora é avô. Quer reparar a pouca participação na vida dos filhos com uma atuação maior na dos netos. "Perdi muita festinha de escola dos meus filhos por causa de futebol".
Já sem luz suficiente, o debate terminou mais cedo do que deveria.
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