Pareceu uma briga de deuses. De um lado, Hércules queria que eu fosse. Mas Poseidon fez de tudo para impedir. Mas o heroico semideus vencey a batalha.
Embarquei no Expresso Brasileiro do meio-dia e quinze rumo ao Rio. Faria reciclagem de um curso destinado a homens ministrado na Irmandade.
A primeira parte da viagem foi um misto de leitura e descanso. Passei na loja de revistas do Tietê para comprar um jornal. Levei o Estadão e comecei a ler a partir da capa. Almir Pazzianotto criticava duas leis trabalhistas propostas pelo governo: uma obrigaria as empresas a destinar parte dos lucros aos funcionários; a outra reduziria a jornada para 40 horas semanais. Carlos Alberto di Franco refletia o jornalismo, que para ele estava mais discursivo do que investigativo.
Paramos no Graal de Lorena. Caríssimo! Um conjunto de sanduíche simples de queijo e suco de caixinha beirou os 10 reais. Naquele momento, já me chamava a atenção um sujeito com camisa do Real Madrid (com o nome do Kaká) e calção do River Plate. Na poltrona ao meu lado, perguntou as horas, mas adiantou que não falava português. Como viu que eu tinha alguma familiaridade com o inglês, começou a puxar papo.
Darren é um jornalista inglês que viajava o mundo cobrindo os mais diversos esportes. Disse que viajou a diversos países do mundo e sempre teve uma espécie de voz interior que o mandava ao Brasil. E não se arrepende. "As pessoas aqui são muito amáveis. Na Inglaterra elas não são assim."
Quando falei da diversidade da gastronomia nacional e citei a comida de Minas como uma das "especiais", ele lembrou-se de Gilberto Silva, meio-campista revelado no Atlético Mineiro. Darren disse ter conhecido sua esposa por acaso, e descobriu que, no tempo em que jogava no Arsenal, Gilberto morava a duas quadras de sua casa, em Londres. E lhe deu a sua camisa de jogo.
Falamos também de Copa do Mundo. Argumentei que o grupo do Brasil não era dos mais fáceis, porque, apesar de serem teoricamente inferiores tecnicamente, Portugal e Costa do Marfim poderiam fazer partidas equilibradas. Darren nnão crê em tantas dificuldades assim. Darren não gosta dos jogadores africanos. Para ele, são fortes fisicamente, mas não tão bons tecnicamente.
Eu disse a ele que, embora façam chover em suas jogadas, falta noção tática à maioria dos jogadores brasileiros. Além disso, muitos deles não se adaptam ao exterior, e voltam logo. As exceções são Kaká, Raí e Leonardo.
A essa altura, estamos enfim às portas do Rio, na Avenida Brasil. "Há muito trabalho a fazer até as Olimpíadas, hein?". Concordei, mas adiantei que o grosso das competições aconteceria na Barra, longe da zona central. Da rodoviária, nos separaríamos. Ele rumaria a Ipanema. Eu, à Tijuca. No balcão de informações, nos despedimos. Lembrei-me ainda do norte-americano Jake, amigo de um conhecido, que veio passar uns dias em São Paulo, e concluí que me tornara para-raio de estrangeiros por aqui. Será um sinal?
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Segui as orientações de casa, e perguntei por um ônibus que passasse na Praça Saens Peña. A minha sorte é que a moça do balcão da Localiza tomava um na volta pra casa, e me indicou o 606, que vai para o Engenho de Dentro (passa, inclusive, pelo Estádio Engenhão).
Tive um pequeno problema: o ônibus não tinha cobrador, para quem poderia pedir para descer perto do famoso Alzirão, onde há uma tradicional festa quando o Brasil joga nas Copas do Mundo. Preferi ir por conta, e torcer para dar sorte.
Na passagem pela rua Mariz e Barros, ele cruzou uma rua da qual ouvi falar nas outras vezes que estive lá, a São Francisco Xavier. Desci e andei por ela. Sabia que encontraria a minha referência principal: a Conde de Bonfim. Dei de cara com o Largo da Segunda-Feira. No primeiro momento, fui para o lado contrário, porque ela virou Haddock Lobo, mas depois me encontrei.
A Rego Lopes aparecia discreta do lado de lá daquele restaurante onde comi há coisa de um ano. Uma epopeia apaixonante, que teve lá os seus momentos de tempestade, culminaria com uma bonança: a aula do mestre Antonio Carlos de Azevedo Ritto.
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