Lembrou-se do tempo em que surgiu. Chegou a ver, de fora, na barriga. O passar dos anos fez com que criassem alguma afeição. A criança tinha medo do mar e corria atrás para brincar.
Com a adolescência, pôde enxergar também uma rusga de sensibilidade. Desenhava capas de livros e escrevia versos. Inocentemente pueris, mas ilustradores de uma alma conectada. Era mesmo especial.
A luz de encanto dormia por ora: precisava buscar novas experiências. No profissional, alguns lampejos de glória. No sentimental muitas jornadas de dor; a da traição e a do aprisionamento.
Acabava de ingressar no mundo superior. Não sabia como lidar com o novo rumo. Ao contar à Mãe Bondosa as dificuldades, tentou represar inevitável pranto com o dedo. Quando ele se rompeu, partiu-lhe a alma.
Conseguiu, entretanto, superar a adversidade. Chegou ao fim, com glória. Algo lá dentro bateu que precisava prestar homenagem. Encheu-se de orgulho da grandiosidade que viu outrora coisinha e chegara a uma grande conquista.
Um daqueles versos fugidios se escondia em livro. Fez um lindo embrulho e esperou a oportunidade. Não se veriam no Natal; nem no Ano Novo; viajaria em janeiro. Então, só no fim do mês, no encontro de Sebastião, o rei das florestas.
Imaginava o momento em que diria o quanto estava feliz. Selaria, mais uma vez, o imenso carinho transbordante. Não, não poderia sequer imaginar algo além, mas tinha lá a sua dose de amor. Entregaria o embrulho, veria o sorriso e dariam fraterno abraço. Enlevou-se então com um momento que imaginaria feliz por compartilhar tamanha admiração.
Esperou quase um mês até o grande dia. Toda a turma tava lá, e era só esperar. Até que de relance ouvia: "Não vem". Não é possivel! O encontro era essencial! Era quase imperativo que toda a comunidade estivesse presente. Via a porta se abrir em vã esperança.
Por pouco a frustração não fizera perder o pé. Só restava entregar via família - e nem assim conseguiu. Na parte do ser que guarda os sentimentos, um misto de tristeza e decepção. Na química entre os dois, um lampejo de raiva. Planejou um gesto de carinho, por tanto tempo represado... e ela sequer apareceu. Pareceu que simplesmente não o queria receber.
Sentiu mais uma vez jogar pérolas aos porcos, e uma resolução de ano-novo não se cumpriu. Humilhado e cheio de raiva, jogou a toalha: rasgou o embrulho e guardou o livro. Era mesmo melhor desistir, e retomar o novo caminho prometido: só dar valor a quem realmente merece.