sábado, 21 de janeiro de 2012

Pérolas aos porcos

Lembrou-se do tempo em que surgiu. Chegou a ver, de fora, na barriga. O passar dos anos fez com que criassem alguma afeição. A criança tinha medo do mar e corria atrás para brincar.

Com a adolescência, pôde enxergar também uma rusga de sensibilidade. Desenhava capas de livros e escrevia versos. Inocentemente pueris, mas ilustradores de uma alma conectada. Era mesmo especial.

A luz de encanto dormia por ora: precisava buscar novas experiências. No profissional, alguns lampejos de glória. No sentimental muitas jornadas de dor; a da traição e a do aprisionamento.

Acabava de ingressar no mundo superior. Não sabia como lidar com o novo rumo. Ao contar à Mãe Bondosa as dificuldades, tentou represar inevitável pranto com o dedo. Quando ele se rompeu, partiu-lhe a alma.

Conseguiu, entretanto, superar a adversidade. Chegou ao fim, com glória. Algo lá dentro bateu que precisava prestar homenagem. Encheu-se de orgulho da grandiosidade que viu outrora coisinha e chegara a uma grande conquista.

Um daqueles versos fugidios se escondia em livro. Fez um lindo embrulho e esperou a oportunidade. Não se veriam no Natal; nem no Ano Novo; viajaria em janeiro. Então, só no fim do mês, no encontro de Sebastião, o rei das florestas.

Imaginava o momento em que diria o quanto estava feliz. Selaria, mais uma vez, o imenso carinho transbordante. Não, não poderia sequer imaginar algo além, mas tinha lá a sua dose de amor. Entregaria o embrulho, veria o sorriso e dariam fraterno abraço. Enlevou-se então com um momento que imaginaria feliz por compartilhar tamanha admiração.

Esperou quase um mês até o grande dia. Toda a turma tava lá, e era só esperar. Até que de relance ouvia: "Não vem". Não é possivel! O encontro era essencial! Era quase imperativo que toda a comunidade estivesse presente. Via a porta se abrir em vã esperança.

Por pouco a frustração não fizera perder o pé. Só restava entregar via família - e nem assim conseguiu. Na parte do ser que guarda os sentimentos, um misto de tristeza e decepção. Na química entre os dois, um lampejo de raiva. Planejou um gesto de carinho, por tanto tempo represado... e ela sequer apareceu. Pareceu que simplesmente não o queria receber.

Sentiu mais uma vez jogar pérolas aos porcos, e uma resolução de ano-novo não se cumpriu. Humilhado e cheio de raiva, jogou a toalha: rasgou o embrulho e guardou o livro. Era mesmo melhor desistir, e retomar o novo caminho prometido: só dar valor a quem realmente merece.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desencanto

Ainda se habituava ao novo serviço. Depois de três anos amargando o estágio, virar secretária bilíngue significava um salto e tanto. A adaptação não fora fácil, mas contava com um chefe pra lá de paciente. Mesmo que, em muitos momentos, pintasse a vontade de desaparecer Espaço afora.

Já mais vivida na rotina, começava a soltar um pouco as garras do pudor. Foi tomar café na copa com Antônio Carlos, do setor de propaganda. E dois colegas dele chegaram pra bater um papo. Marcos era o elo de fora, com quem podia papear mais à vontade. Mas era o outro, Célio, que a interessava mais. Era belo, com um semissorriso tímido que a fazia corar. Mas nunca que conseguia um dedo de prosa com ele. Parecia nunca sair da casca. Nem parecia alguém que trabalhasse em comunicação.

Não parava de pensar no moço, mas sabia se manter. Parecia estar no caminho certo. Seus mentores do Astral sinalizaram um "menino" no serviço. Não tinha certeza se era ele, mas não contara a ninguém do interesse despertado. Dava bom dia à equipe, mas sempre olhava pra ele só de soslaio. Queria chegar mais perto, mas não via jeito. Apareceu uma chance com o crepúsculo do ano; o tempo em que todo o mundo desejava sucesso para si e para os seus e estava cheio de espírito seria ideal para algum gesto. Mas o elo entre os dois lados, Antônio, acabara de entrar em férias. Não tinha jeito: obrigou-se a esperar.

Quando ele voltou, segurou a empolgação e agiu no limite da cautela. Perguntou ao amigo se podia dar a ele uma lembrança, nem que seja pra ele saber que ela existia. Antônio recomendou que ela tivesse calma, pois seria imprudente qualquer movimento brusco. Afinal, não podia arriscar o emprego. 

Corou de vergonha ao ler a mensagem. Sabia que era um movimento ousado, mas achou que ganharia sinal verde. Afinal, escondeu-se por muito tempo das coisas, e aprendeu que grandes conquistas às vezes prescindem de sensatez e lógica. No fim das contas, não se arrependeu de ter ao menos ensaiado uma tentativa. Ora, o que de pior poderia acontecer? Por mais ilógico que fosse, seria uma estupidez ser mandada embora por uma intenção. Sossegou um pouco.

Célio e Marcos, sempre grudados, rarearam na copa. Um dia apareceram, e ela resolveu ficar um pouco. Já dava tempo para ela ter alguma ideia de quem era ela. Ficou na sua, e só observou. Nem lhe dera bom dia; não dava pelota de sua presença por ali. Conversavam os dois baixinho, como se ela mal existisse. Foi embora com uma despedida discreta aos demais. Custava ao menos ter um pouco de simpatia? Na pior das hipóteses, deveria ao menos ter educação. Nem isso.

Foi embora com uma sensação de mágoa na garganta. Da cabeça aos pés, exalava boa dose de decepção. Sentiu-se uma completa idiota cheia de carência. Talvez fosse melhor fazer o seu e partir pra outra.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O Natal humaniza São Paulo

O ônibus parou na Consolação ainda sem previsão de partida. Não pegar o metrô foi péssima escolha. Faz uma conversão para a Alameda Santos e segue em frente, sem convicção. Do jeito que estava, a Vila Mariana parecia um sonho distante. 

Desceu antes mesmo de tentar. E cometeu o que seria uma burrice ainda maior: ir a pé até o shopping. A loja fecharia às dez, e o desespero tirou-lhe a capacidade de pensar. Mas até que teve lá a sua compensação; o Natal humanizou a Paulista.

Dá pra calcular, por alto, em uns milhares. Paulistanos de todas as idades em estado de maravilha visitavam o enorme vestíbulo de Papai Noel que descera pouco antes do Masp. A neve temporã no Banco Real e a floresta no Bradesco também atraíam flashes e curiosos. 

Isso sem falar nos desenhos em luz no Conjunto Nacional, na Fiesp e em tantos outros edifícios de um centro que se notabilizou por rótulo da cidade: o de um centro de trabalho e finanças. Ainda que longe de representar primores de arte, a Paulista despertou a vontade que São Paulo mostrou de ser mais do que isso - ela já sabe disso, mas ainda padece da reducioníssima alcunha de "cidade do trabalho".

Chegou à Bela Vista a tempo. Porque a loja fechava às onze. No fim das contas, reacendeu as esperanças numa cidade ainda absurdamente caótica e às vezes agressiva e ainda conseguiu fazer as compras que queria.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Nonno Paolo, a polícia e o racismo



Um casal de espanhóis levou o filho adotivo, um menino nigeriano, para almoçar no Nonno Paolo, restaurante e pizzaria localizada no Paraíso.

Eis que o gerente do restaurante se coloca no extremo oposto ao nome do bairro onde trabalha. Aborda o menino, que não entende português e, alegando tê-lo confundido com um menino de rua, bota-o dali pra fora.

Isso me envergonha como brasileiro e paulistano. E me enoja como negro.

O racismo subterrâneo que assombra o país nos deixa em constante sinal de alerta. E qualquer animosidade pode ser interpretada como um problema "de cor".

Ainda que muito leigamente, tenho lido muito sobre a tal abordagem policial. O código de processo civil, em seu artigo 240, fala na tal "fundada suspeita" de que alguém esteja portando uma arma na rua. Tal recurso é aberto a várias vertentes preconceituosas. E alguns homens de farda usam disso e cometem abusos. Porque "têm um perfil definido", como cor de pele e tipo de roupa, numa demonstração do mais abjeto preconceito.

Já aconteceu comigo algumas vezes. Numa delas, o energúmeno justificou a "blusa amarrada na cintura". Noutra, o infeliz notou a minha indignação e disse que "não está escrito na testa de ninguém quem é bandido, quem não é". Numa outra, sequer houve justificativa.

De certa forma, tal artigo se choca com uma letra da Constituição. No artigo 5º, sustenta-se a inviolabilidade da honra do cidadão. Ao abordar uma pessoa por considerá-la "suspeita", o (mau) policial julga, constrange, humilha e vai contra a Carta Magna.

E em boa medida tal pré-julgamento tem a ver com a pele escura - embora esteja também embutida discriminação social.

No meu humilde modo de entender, esse artigo do código deveria ser no mínimo, repensado. Claro que o porte ilegal de arma deve ser combatido... mas como saber com cem por cento de certeza? Por mais tapado que seja, o bandido tem a exata noção de que, até o ato fatal, a arma não pode ficar à mostra. 

Com inteligência, é possível combater a insegurança sem ferir a honra de um cidadão de bem.

PS: o belíssimo vídeo acima mostra o quão feliz foi a Caixa na propaganda pela consciência Negra - que deve ser exercitada em todos os dias do ano. É portanto atemporal.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um breve balanço

Chega o ano novo e resolvo estrear uma de minhas resoluções: não deixar abandonados os meus blogs. Neste confraria, aproveito ainda para aplicar um layout diferente.

O ano que se passou foi uma saraivada de emoções. Alegrias, decepções, surpresas, o renascimento profissional e a esperança de novas alegrias.

No âmbito da paixão futebolística, 2011 simbolizou o verdadeiro renascimento. Ainda me lembro do fatídico 2 de dezembro de 2007, quando o rebaixamento trouxe ainda uma novidade pessoal das mais infelizes. Fui informado de que não permaneceria na produção de um programa de TV porque não maquiava os participantes. 

De lá pra cá, muitas idas e vindas. Fui sugado pela crise, participei com gosto de campanha política e tive inúmeras malfadadas tentativas de voltar ao batente.

Até que me reconstruí via clipping, um ramo que já havia me salvado anos antes, mas passei a atuar num esquema que classifico como asiático, já que trabalho de madrugada.

Enquanto isso, o Corinthians trouxe Ronaldo, ganhou dois títulos, viveu o dissabor de ser o primeiro time brasileiro a não passar da pré-Libertadores... mas enfim renasceu grande ao conquistar o título brasileiro.

Nada poderia ser mais mágico do que aquele quatro de dezembro. A história alvinegra acabara de perder Sócrates, um dos talentos mais maravilhosos que este país conheceu.

Tive o privilégio de assistir a um debate no Museu do Futebol sobre a Democracia Corintiana em que ele estava presente. Lá ele exaltou a importância da experiência e me impressionou com a sua grandeza - tanto no tamanho quanto na amplitude de ideias - eu batia no ombro dele, e olha que tenho 1,87 de altura.

Um domingo que começou com feições de luto, mas terminou à moda de nuances mágicas. A conquista do quinto título nacional pareceu (e foi) em honra do ídolo que partia para a imortalidade. E coroou o meu trigésimo quinto aniversário.

A idade da razão traz novas perspectivas. Diz a nossa fé espiritualista que os anos bissextos são os dedicados à lua - portanto, promissores. 

Partirei em busca de tanta felicidade que ainda tenho para experimentar. 

Que este ano seja o melhor de nossas vidas.