sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Anjos do Rio

Quando troquei Piratininga por Guanabara, trouxe comigo um samburá repleto de sonhos. E ainda tive de lidar com a tristeza de deixar tanta gente querida pra trás. Mas, como diz a sabedoria facebookiana, não se fazem omeletes sem quebrar os ovos.

Na véspera da partida, um Guia me disse: "Agradeça às dificuldades que você vai enfrentar". Confesso ter achado que não seriam tantas assim. Me enganei. Enfrentei solidão, decepção, mesquinharia e ganância. Cheguei a tomar banho de caneca. Senti a pressão de poder não ter onde morar. Felizmente, não aconteceu.

A tormenta, um dia, haveria de acabar. Um raio de sol se avistou no alto da tempestade quando Victor me acompanhou à festa junina da Irmandade, em Guapimirim. Vindo da casa da Mãe querida, eu era recebido pelo Pai de braços abertos. Começava a pontilhar o meu caminho por ali. Luiza, a irmã que nunca tive, já havia me recebido em seu lar.

Ao mesmo tempo, comecei a traçar no trabalho uma história de amizades. Cheguei para substituir um anjo chamado Edileia. Como o destino haveria de pregar peças, Tiago é filho do sambista que me ensinou a amar a estrela-guia de Padre Miguel. E eu, paulistano, invadi o Almanaque... Carioca. Ele conta também com Marina, a conterrânea incansável que substituiu João, o guerreiro. Um salve também aos imprescindíveis Jorge, Marcio e Virgilio.

Numa dessas noites da semana, Zé Carlos me apresentava um projeto de expansão do ensinamento da nossa Fé. Um dia, a Obra leva um baque: perde para a Eternidade um de seus líderes. Corremos para contribuir para o voo de Marcia rumo aos céus. Senti que a luminosidade da Obra tinha infinito reflexo em meu ser. 

E entre tantos anjos a já rondar o espectro da minha jornada, não posso me esquecer de Sheila e Gustavo, que me ofereceram um fim de semana em seu lar. Mas, no domingo à noite, a mais doce das divindades se apresentara. Uma sacerdotisa me cumprimentou como se há muito me conhecesse. Pra minha eterna vergonha, não a reconheci. Pequena no tamanho e gigante na ternura, Rose já figurava na minha lista de amigos. Ela é daquelas pessoas de quem é simplesmente impossível não gostar muito!

Conheci na EBC algumas figuras admiráveis. A belíssima Luciana coroava uma trajetória de muita luta e ousadia. É uma das poucas negras a apresentar telejornais. Na OAB, tive ainda mais apreço pela caminhada dessa valorosa mulher. Também começava a enfrentar turbulência: os funcionários entraram em greve. Não apenas pela manutenção de direitos, mas por um novo jeito de fazer comunicação. 

Eis que vira o meu ano novo particular. Marcia, a maior das supermães, a mais Bárbara das crianças e a grande Ivanilda estão presentes à celebração. Resolvo marcar um encontro com os amigos na semana seguinte. Como o calendário estava pra lá de apertado, a sexta-feira 13 era o único dia realmente disponível. E eu, tão avesso a superstições, nunca senti o azar falar tão alto na minha vida. Falei com as paredes!

Derramei o meu cântaro de mágoa pra quem quisesse ler e ouvir. Senti uma raiva justificada e resolvi me distanciar de algumas pessoas. A semana passou, e o sentimento foi se esvaindo ralo abaixo. Tiago tinha combinado com o Luiz Gustavo de ir, mas chegaram depois que eu já tinha ido embora. Ligia e Raquel se compadeceram; Patricia me presenteou. Muitos se justificaram e pediram desculpas. E os anjos resolveram agir.

Luiza me conta de um encontro que haveria dos egressos da Mocidade IEED em Copacabana, num lugar onde queria comemorar o meu aniversário. Fiquei com a impressão de que "Eles vão me aprontar alguma". Mas fui sem encanar com isso. Papo vai, papo vem, Gugu me distancia da mesa. E, ainda que tarde, Pâmela, Gugu, Luiza, Matheus, Letícia, Camila, Victor, Zé Carlos, Wanderley e Marina me prestam emocionante homenagem pelo tal trigésimo sétimo "ano novo".

É a mostra de que, se Deus não correspondeu às minhas expectativas, é porque tinha planos melhores pra mim. Foi Ele quem colocou todos esses anjos na minha vida. Obrigado a todos vocês. Nunca vou me esquecer disso!

domingo, 24 de novembro de 2013

Coisas que deixo pra trás - Parte 2

Essa é da série "coisas que devo deixar pra trás"

Muitos anos atrás, houve na escola um programa pra incentivo à leitura. Cada classe da quinta série lia um livro diferente, e eles seriam trocados. Ao final de um prazo, seriam doados à biblioteca.

Estava na mochila com "A montanha encantada", de um colega de classe. Vasculhando a mochila, minha mãe se escandalizou com um livro que não era meu.

Depois disso, ela e meu pai me submeteram a um duríssimo interrogatório. Estavam absurdamente indignados com aquilo. Eu, amedrontado e sem entender o porquê de tanta hostilidade, não consegui explicar a situação. E prometi devolver o livro no dia seguinte.

Deixei-o na parte de baixo da carteira do meu colega, na surdina. Depois, inventei um diálogo que não existiu e dei o assunto por encerrado. Ainda assim, eles desconfiaram da atitude.

Anos depois, intuí que eles acharam que eu roubei o livro. É ultrajante descobrir que os seus próprios pais desconfiaram um dia de sua integridade. E te tiram por ladrão.


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Abraço fraterno - Iguá e Pierê

Eram os tempos da Pangéia. África via um dos seus cumprir o que Olorun e Tupã decidiram em conjunto. Aquele que breve seria Brasil ganharia o mundo e acrescentaria novas diretrizes ao seu destino. 

O espírito da mãe querida calou fundo na alma do menino. Numa de suas partículas, a tribo Jacutinga festejava a chegada de mais uma princesa, batizada Iguá. Era em um período de baixa prosperidade. Sofria os efeitos da guerra da era anterior, que dizimou considerável parcela da população masculina. 

Iguá pisava n'areia ardendo em pobreza, mas sem perder de vista a dignidade. Banhada nas águas da coragem, sentiu que os percalços não a poderiam esmorecer. Implorou aos céus o esclarecimento. O sol mostrou o caminho da cruz. 

A alguns quilômetros de distância, outra partícula luzia: em um planalto conhecido como Piratininga, à beira do rio derramado, aquela tribo tupi também celebrava a vida: nascia o filho dos pajés. Chamar-se-ia Pierê. Naquele dia, sinais de fumaça evocavam guerreiros que prenunciavam a missão do pequeno: setenta mil valentes tomavam a aldeia Maracanã e venciam difícil guerra contra os temidos tricolores de Guanabara.

Pierê trouxe dos céus arte e sabedoria, mas a bravura deveria buscar em terra. Lutaria com o mundo e consigo mesmo durante toda a existência.

Iguá fizera história por árdua jornada. Conheceu sábios e se fez reconhecer. Participou de uma revolução em que novas nuances começavam a pigmentar antigos paradigmas. Veio à Guanabara, viu a história acontecer e venceu a resistência. Virou, ela mesma, referência.

Em Piratininga, Pierê tinha a perseverança posta à prova. Desventura do coração, que colocava em xeque toda a esperança de felicidade. Destino entregue nas mãos de alguém por quem não tinha amor que também, no fundo, nunca o amara. Teria trazido na bagagem poucas perspectivas de amor. Tudo ilusão das trevas.

Suportaria por anos a ira das falsas visões. Acuado, o pobre teve um lance de extrema loucura: jogou-se ao derramado no afã de morrer. Mas, em vez de morte, as águas lhe deram novamente a vida, e o livraram da maldição. A luta permanecia, encarnada que só.

Do lado de lá ela seguia trajetória vitoriosa. Já reconhecida, atraía a admiração de tantas partículas Afroíndias de Brasil às quais clamava por propagar o sangue de África.

Até que, pelas mãos de Tupã e Olorun, veio a Pierê a mais sublime das jornadas. Perdeu os sentidos e deixou o corpo. Na viagem astral, encontrara uma linda moça de pele curtida como a sua. Será que vou te encontrar?

Acordara pássaro, que deveria voar a Guanabara. Ao chegar, já de volta à forma humana, suspirou de saudade da curumim que nos anos de bravura lhe dera alentos de fantasia. Ainda assim, precisava prosseguir. Sentiu a alma tremer quando viu em terra a moça do sonho se materializar.

Seus olhares só se encontraram depois. Quando aconteceu, ela sorriu como ele nunca viu. Sentiu então que toda a desventura em Piratininga valera a pena. Aquele encontro haveria de ter algum significado, e o precisava desvendar. Seria um lampejo da felicidade que tanto almejara? Tudo pareceu desmoronar quando, numa despedida qualquer, ela lhe mandara um "abraço fraterno".

Desprezado por Iguá, Pierê sentou à beira do mar e chorou. E nele atirou o sonho daquele amor que jamais viraria realidade, e seguiu com os demais lances da nova vida. Acreditou enfim ali ter fincado raiz. Mal sabia, no entanto, que deveria retornar à amada Piratininga. Não sem antes desposar a bela Romi.

De tanto vidrar em Iguá, Pierê pouco percebia a jovem: não achava correto cortejá-la, posto que era filha de uma tribo com quem os tupis seus ancestrais não se davam lá muito bem. Um dia, já refeito da desilusão, atentou para o lindo sorriso de Romi. Decidiu que as diferenças não fariam diferença, e permitiu que o coração forjasse um novo amor.

Ele floresceu como pouco se esperava. Pierê aceitaria se nunca mais voltasse à terra natal, se isso infelicitasse Romi. Mas ela queria ir, pois Guanabara a povoara de más lembranças.

Ao longo dos séculos, Pierê não cansava de contar aos bisnetos e descendentes a saga de sucesso e amor, que só valeria a pena porque povoada de pedras e espinhos. Olhava com ternura àquela mulher de linda alma, que enfim lhe dera a felicidade tão difícil de ser alcançada.

Uma ponta de melancolia, no entanto, calava em seus olhos ao lembrar do triste fim de Iguá. Jacutingas e aimorés entraram em guerra, e os inimigos a fizeram prisioneira. Antes que a trégua chegasse, eles já a haviam torturado e matado. Rezou para que a alma da bela mulher encontrasse paz. Afinal, a admiração por ela jamais se apagou.

O jovem Brasil caminha devagar ao amadurecimento. Os herdeiros de África guiavam sua alma a um novo conceito de igualdade. Ainda haveria muito por aproximar. Mas o caminho era irreversível.

(crédito da foto: Brasil Cultura)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Abraço Fraterno - Pipe e Lila

Herculano nem aguardou a última nota. Novamente a Abraço Fraterno ficava pelo caminho. Ainda que arrebatasse o Anhembi e os setores próximos à dispersão a saudassem como campeã. Desfilaria no Acesso mais um ano. Terá pairado o tal cheiro de clorofila? Preferia crer em lisura, mesmo que soasse ingênuo. A bucha que haveria de segurar vinha mesmo de dentro. Houve quem, nos cantinhos, criticasse o enredo. Outros, mais venenosos, arrebentavam com o samba.

Nada mais viria ao caso, pelo menos por ora. Queria chegar ao escritório da presidência e respírar. No último ano do mandato, precisava enfim ir ao Especial. Era uma promessa de fé ao velho pai. Antes que se gerasse a nova folia, precisava de um período sabático. 

Interrompido por uma batida à porta.

- Tudo bem aí?

Era Tia Bá, a chefe da ala das baianas:

- Daquele jeito, né? Vem chumbo grosso por aí
- Coragem! Daqui a um mês começa de novo. E tudo vai ser diferente.

Adorava aquela prima mais velha. Era tão irmã quanto Mara, também mais velha. Foram os três e Nelson, o pequeno, muito juntos na infância, e a coisa continuou na idade adulta. O que os unia de verdade, no entanto, era a paixão incondicional pelos velhos, Pipe e Lila, que agora habitam outra dimensão da vida.

Antes de meditar, precisava botar ordem no escritório. Viu cair duas coisas a que não dera muita atenção nos últimos meses, dada a concentração máxima no desenrolar do Carnaval. 

Era a foto em que, ainda bem pequeno, ganhava um beijo do pai. Ainda que já tivesse superado a partida, mergulhou em lembranças e deixou uma lágrima escapar.

- Que saudade, meu velho.

Pipe foi o mais carinhoso dos mortais que conhecera em vida. Sabia educar sem nunca levantar um braço. E enchia de tanto carinho e incentivo que Lila, a mãe, precisava fazê-lo baixar a bola. A Bá contou que, certa vez, ainda pequena, fora visitá-lo no Rio. Na despedida, recebeu um abraço, e sentiu cada palavra como um maná; triste na embalagem, profunda no conteúdo:

- Eu te amo muito

Chorou copiosamente colo da avó, já dentro do ônibus. Depois de uns anos, já de volta a São Paulo, ele contou que a saudade dela era o que mais angustiava naqueles lindos anos cariocas.

As suas lembranças, Herculano, ficaram também tatuadas, não é? Nunca se esqueceria da primeira vez em que Pipe o levara a um jogo do Corinthians. Tinha seis anos. Mais gratificante do que tudo era ter, ele mesmo, feito especial para o pai aquela tarde de domingo. Quando o "Bando de Loucos" entoou aquele canto de que tanto gostava, não resistiu e cantou junto. Olhou para o velho e a ele estampou aquela indescritível felicidade. O homem alto e magro, que aparentava ter menos idade e cara de durão, confessou ter virado o rosto pra não ser flagrado em plena emoção.  No dia seguinte, escreveu um texto vindo daquela alma tão encharcada de céu. Na crônica, dizia: "É maravilhoso ver o seu filho partilhar a paixão que há muito é sua. Mas fazer o menino tão feliz "não tem preço". Obrigado, Fiel".

Voltou ao presente fortalecido. Prometia a si mesmo que faria a Abraço alcançar a elite. Era uma pressão que nunca lhe fora imposta pelo velho. Sabia que o orgulhava de algum jeito pelo exemplo. Mas a agremiação que ele ergueu com tanta luta precisava estar à altura. A conversa, definitiva, era dele consigo mesmo.

Olhou o chão e viu uma pasta azul. Recordou imediatamente uma vez uma conversa que o velho teve com Tita, o amigo vascaíno. "Queria muito levar isso aqui pra avenida, cara". "É uma tremenda viagem. Mas pode dar certo". Falara isso para ele certa vez: "Um dia, vou contar a minha história de amor com sua mãe na avenida". Lila era outra pessoa incrível, e Pipe a amou loucamente. Só que ela merece um capítulo à parte.

O velho era pra lá de inseguro, e nunca reunira coragem para botar em prática. Quando conseguia algum ímpeto, era atropelado pela necessidade de trocar enredo por patrocínio. Eram tempos de crise, e a Abraço não poderia ainda se dar ao luxo de um tema próprio. E havia tácito compromisso de não deixar jamais a escola regredir. Não avançar até passava, mas dar passo atrás, nem pensar. Quando enfim as finanças alcançavam algum equilíbrio, já dava pra começar a brincar. Mas aquele maldito infarto botara tudo a perder.

O sonho do velho tava todo ali. Abriu a pasta e começou a ler.

(continua)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Abraço fraterno - prelúdio

Lá fora o tempo passava do seu jeito. Cá dentro, pareceu uma eternidade. Era a etapa final da entrega de documentos, que já começara a arquitetar uma revolução na minha vida.

Fora pego de surpresa dias antes com um telegrama. Era a tal convocação, tão esperada dez anos antes. Eu guardara minhas esperanças no canto de uma gaveta da alma, e resolvera tocar em frente. Talvez o banho-maria tivesse facilitado o trabalho dos senhores do destino. 

Na esteira do bilhete premiado, a instrução de uma verdadeira saga por que teria de passar para a regularização. Documentos, atestados, exames médicos. Ela enfim terminaria na sede paulista da empresa, nos estertores da Vila Leopoldina. No meio do caminho, ainda teria de me desligar da clipadora, de poucas boas lembranças. A promessa de realização cobraria um preço: eu teria de deixar São Paulo.

As recepcionistas deixavam o ambiente mais leve, o que me ajudava a desestressar. Ainda temia perder o bonde e tudo se acabar em um nada tão conhecido meu. À esquerda do sofá onde eu estava, a tevê reproduzia a programação. E algo me despertou do transe. A chamada do telejornal trazia uma apresentadora negra. Será que eu vou te encontrar?

Deixei pra lá e finalizei os detalhes burocráticos. A viagem para o Rio estava marcada para dali a três dias. No romper da ponte aérea, levei à bagagem a minha Paulicéia querida, em nuances que transcendiam o cinza, tão completa em minhas recordações. Mas guardava também o sonho de enfim encontrar a felicidade. 

A prova de fogo maior veio já no primeiro dia. Hospedei-me por ora na casa de uns amigos, em Copacabana. Falei por telefone com Bárbara, minha sobrinha, que me perguntou:

- É hoje que você vai voltar?

Foi como se uma tsunami derramasse lágrimas sobre mim. A saudade da pequena seria ainda mais dolorosa do que eu imaginava. Mas precisava vencê-la. Ainda que muito chorasse. O mar se acalmou, mas jamais remediou a lembrança.

Aos poucos, a tempestade de areia dos primeiros momentos foi virando só poeira. Numa das tantas idas à copa para um café, a resposta à minha pergunta: sim, eu encontrei a tal moça negra. Ela conversava sobre trabalho com dois colegas. Passei despercebido e intuí dar pouca bola. Vez por outra, me peguei olhando de soslaio para a redação da tevê à procura dela. Nada que me desviasse de tantos outros focos.

Num dos tantos dias de trabalho, eu a vi ao portão do prédio. Como faço com todos, dei um boa-tarde.

- Oi. Tudo bem?

Foi o mais luminoso sorriso que já recebi na vida. Tudo, então, pareceu fazer sentido, desde a mudança de cidade até os percalços por que passei até aqui. Não que enxergasse alguma coisa a mais em seus sentimentos. Ainda assim, senti até a obrigação de chegar mais perto. Não dava mais para deixá-la de coadjuvante em meus pensamentos. E fui muito bem recebido em seu Face. A comunicação era amistosa, mas ela era excessivamente protocolar. O máximo a que se permitia, ao final, era "um abraço". Guardava distância, e eu precisava respeitar. Descobri, mais adiante, que tínhamos uma trajetória de vida muito parecida.

Falou de lampejos dela numa palestra sede da OAB. E, ao final do discurso, num libelo pela libertação da raça, proferiu Gandhi: "Seja a mudança que você procura". Simpática, recebeu a todos os participantes com tanta doçura que até ficou com a face doendo. O que mais me intrigava é que nunca mencionou o meu nome. Um rapaz, radialista iniciante, pegou o seu contato de Face. Ainda que repleta de amabilidade, emendou, dirigindo-se a mim: "Uso muito pra falar com esse moço aqui."

Pude perceber pungente em mim uma chama cada vez mais intensa, fortalecida pela alta carga de admiração recebida naquele dia. No seguinte, perguntei se tinha chegado bem em casa. Foi então que desci à Terra em segundos. E vi desmoronar todos os planos de aproximação.

"Cheguei, sim. Graças a Deus. Tenha um ótimo fim de semana. Um abraço fraterno"

Abraço fraterno? Custei a entender, mas tive a exata sensação de que era visto como um... irmão. E nada, num processo de conquista, é mais insultante do que isso. A luz que me aquecia a alma começou a apagar, mas ainda tentava encontrar lampejos pra se firmar. Não sabia bem o que pensar. O que vem prevalecendo até aqui é a sensação de ter sido expurgado de todas as esperanças. Como se o tolo que dissera ontem ser seu fã e que tinha trocado de horário só pra vê-la palestrar tivesse sido cruelmente desperto do sonho para o pesadelo. Um "eu te odeio" doeria menos!

Se assim era, decidi me afastar: ocultei-a no bate papo e decidi não mais ver os seus posts. Ainda não sei se a história acabou ou se foi apenas um anticlímax. Até que a resposta se descortine, trato de seguir em frente e encontrar novamente o sentido da nova vida.


quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Professor: o esteio da vida

Cantar (e cantar, e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz

A vida é pontuada por seres iluminados que, nem sempre reconhecidos, nos moldam. Seja no literal ou no figurado, mostram os instrumentos para melhor guiar as escolhas. São os professores formais, diplomados, e os "mestres da vida", nossos pais terrenos e espirituais. 

Experimentei a escola pública em seus momentos mais decepcionantes. Valorização em baixa, falta de boas aulas e eterna rotina de greves. Aqui e ali, entretanto, deu pra apreender bons exemplos. 

Regina Célia, por muitos anos vizinha no prédio da Francisco Leitão, foi a mais inspiradora das professoras de português. Estimulava a leitura e o saber de todas as vertentes do idioma propondo atividades que fugiam do lugar comum. Teresa ia pelo mesmo caminho quando ensinava História e Educação Moral e Cívica. Certa vez, quando pediu um trabalho sobre corrupção, pediu para que parte da classe fizesse entrevistas - como se introdução ao Jornalismo fosse. Infelizmente, meu grupo optou pela pesquisa.

No segundo grau (o termo "ensino médio" veio depois) encontrei Luciana, que não se limitou a despejar a Geografia, mas também incitou a pensar. Também tive Oscar, que ensinou como poucos uma matéria espinhosa como Física, a graciosa Elena, de Química, e o espirituoso Fausto, de História. 

Ainda tive tempo de colocar na lista abnegados mestres no cursinho do Núcleo de Consciência Negra na USP. Luis Carlos, de Gramática e História do Brasil, era jornalista por formação e dono de poderoso magnetismo comunicador. Também foi importante para que eu fizesse uma reflexão mais apurada sobre o Jornalismo - eu ainda tão encantado com algumas ilusões me vi jogado a um mundo um pouco mais real. Quase demovi da ideia, mas caminho é caminho.

Na Literatura tive Ester, em seu caleidoscópio de ficção e biografia. Um dia, trouxe alunos de outras plagas que simularam o julgamento de Capitu, a suposta adúltera de Dom Casmurro - ela foi absolvida pelo júri. E em História Geral o performático Ed, que com coragem resumiu dois anos em alguns dias.

A faculdade me proporcionou mais do que um aprendizado acadêmico: compreendi que a vida tem mais faces do que eu imaginava. Mas do que é tradicional eu destaco o hoje notório Clóvis de Barros, em Ética, que faz da irreverência um instrumento para o ensino, Sergio Amadeu e o amplo domínio da Economia e suas variáveis e Antônio Guerreiro em Radiojornalismo.

Mal sabia que Guerreiro me daria os primeiros passos para um destino que me encontraria anos depois. Por obra de um concurso, fui parar em um curso de locução. E a RadiOficina me proporcionou mais três grandes mestres. Cyro Cesar vivia a me dar recomendações, que eu entendia como deficiência - e só depois me dei conta que ele enxergava em mim potencial. Rodrigo Pizcioneri ensinou a "sorrir" com a voz. E Alexandre (me perdoe, mas não me lembro do sobrenome) trouxe, junto com o tal "sorriso" a necessidade de ser natural.

Essa é uma história vale outro post. O que posso dizer é que fui contemplado pelo desenho da vida com uma oportunidade única. Longe da minha cidade, é verdade, mas cheia de possibilidades. Pra chegar até aqui, eu precisei de inúmeros mestres.

Viver também requer outras sabedorias. É por isso que não abro mão dos meus pais, os maiores professores. Da mesma forma, também ensinamos outras pessoas. Somos todos ao mesmo tempo professores e aprendizes. Essa troca com a vida é uma das maiores belezas da existência.

Crédito da foto: Maurício de Souza produções e blog Jacris

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Coisas que deixo pra trás

Sonhou ingênuo que ela iria vê-lo de surpresa.
Era tão desprezado que ela sequer atentou
para seu evidente sentimento
(foto: Google Imagens e Toda Teen)

Olhou o mar de Copacabana com pesar. Deixou para as ondas todo o rescaldo de tristeza de sua última existência.

Conheceu-a recolhida em pretensa timidez. Olhava para o chão, como se pouco conhecesse. No mesmo dia, chorou qual represa rebentada. Pranto que esgotara as energias. Compadeceu e afeiçoou.

Achou-a então no Facebook. Nem parecia a mesma pessoa. Estampava um sorriso festeiro e se acompanhava de enorme caneca de chopp. Pediu pra entrar e foi atendido.

Pareceu viver com a persona no limite. Fazia Economia, mas se exasperava do curso. Só terminaria pra dar alguma satisfação. E no espírito reinava a mais pura curtição; ia à vida louca como se nada mais houvesse. Mas parecia ter bom coração, e até considerou uma ida ao cinema. A afeição virou ternura.

Tudo levava a crer que não daria certo. Mas a carência tem ilusões que a própria razão desconhece. Chamou-a para um improvável evento de música clássica. E não é que ela topou? Só que o sempre impertinente trânsito de São Paulo não permitiu. Outros convites vieram, e ela nunca dava brecha.

Levou porta na cara e até patada. Recuou e, meses depois, tentou novamente. A imaturidade tem motivos que a própria evasão entontece. 

Voltaram a conversar e até a reencontrou ao vivo. Por medo de inconveniência, perdeu a chance de conversar um pouco. 

Empolgado com o encontro, resolveu presenteá-la. Deixou um ovo de Páscoa na portaria de casa; que ela disse ter "amado". Bola dentro! Mas aí, inesperado desapontamento gelou a onda quente da alegria.

Convidou-a mais uma vez. De novo ficou a ver navios: ela disse que viajaria. Dias depois, já de volta, vira uma atualização sua no face: fizera check-in numa lanchonete da Vila Madalena. Depois de um tempo, tirava de letra todas as rejeições... menos essa.

Ainda assim, prepararia uma coisa ainda mais impactante no aniversário. Quebrou a cabeça nuns versos e fez embrulho embalado no sonho. Naquele buquê de negativas estavam todas as vezes que quis entregar o presente. Foi novamente à casa dela e deixou na portaria.

Foi avassalador! A menina disse ter até chorado: "Nunca vou me esquecer". Não se importava mais se ficariam juntos ou não. Deixá-la feliz foi o mais importante.

O tempo passou e ele cruzou a ponte em busca de futuro. Despediu-se falando de um amor desprendido. Ela se desculpou pelas rejeições "por medo" e desejou sucesso.

A última conversa foi a mais devastadora.

Via face, ela se dissera triste por uma desilusão. A pessoa, de quem gostava muito, "não podia dar tanto amor". A emoção tem clarões que a própria lição reconhece. Por mais que fosse importante apenas fazê-la feliz, mantinha ainda aceso ingênuo lampejo. Voltou à infância quando sonhou que ela fosse encontrá-lo de surpresa naquela alameda que dava pra praia.

Mas era tão desprezado que ela sequer atentou para o mais que escancarado sentimento que ele ainda nutria e o jogou com violência em uma humilhante "friendzone" - doeria menos se o odiasse. Óbvio que era mais que do jogo que ela não correspondesse, e sabia disso. Mas precisava fazer aquele desabafo logo pra ele? Pareceu insensível e foi uma evidente indelicadeza. Pior: ficou com a impressão de que ela fez de propósito. Disse da decepção em entrelinhas e a bloqueou no bate-papo. Nunca mais falaria com ela.

Algum tempo depois, com a razão menos provida de sentimento, reviu alguns lances com calma. Falou uma vez de um show que queria ver no Sesc. Ela disse que não curtia, porque os habituès do espaço eram "muito maloka". Em outra oportunidade, classificou como principal propósito do trabalho "ganhar dinheiro e gastar dinheiro". E uma das piores coisas: se ele fez o que fez em seu aniversário, não mereceu dela sequer uma mensagem no face no seu. Não tinha mesmo como sair coelho desse mato.

Tomava o ônibus de volta para o presente. Um novo capítulo da vida estava enfim sendo escrito. A razão tem paixões que a própria existência desconhece.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Singela reflexão sobre o amor

Tenho lido com frequência os posts de Flávio Gikovate sobre o amor. Não para menos: ele é infinitamentemais sábio e versado na vida do que eu.

Em suas digressões sobre o sucesso dos relacionamento, ele tem defendido que é mais fácil ter sucesso quando os dois têm afinidades.

Peço licença ao doutor para fazer uma singela reflexão sobre o tema, que pode ser um pensamento que tange ligeiro a uma visão diferente.

A afinidade é um elemento importante em qualquer relacionamento: a amizade e o amor se tornam mais fáceis com ela.

Creio, no entanto, que, para construir um relacionamento duradouro, é importante que haja valores e planos em comum. Paridade de gostos é legal, mas não estritamente fundamental.

Tal "combinar" não é o bastante. Acho que o amor, para florir e perdurar, precisa também de um componente menos tangível e objetivo. 

E, sim, o elemento físico também conta. Não é crime nenhum ter a atração como uma das bases. Ou no que se pode chamar de "beleza", mas a gente vai mexer com algo que é que nem impressão digital - um conceito nunca é exatamente igual ao outro. O problema é se ela for a única motivação - e aí é imaturidade.

Enamorar-se às vezes é inevitável. Mas pode ser que só ocorra de um lado. E não corresponder é um direito que o outro tem. Nesse caso, forçar a barra só traz constrangimentos.

(crédito da foto: www.maisquecharmeoficial.blogspot.com)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Angústia

Era um carinhoso tão incorrigível quanto o curso de um rio. Nele o afeto nasce qual cachoeira; brota na boca e deságua no umbigo, correndo fluente coração adentro.

Seu beijo na face numa querida é uma fagulha deste sentimento. Rejeita o rosto colado no ar; se é pra ser, que seja pra valer. 

Como o abraço: cartilha seguisse, assim seria. Certa vez, deixou-se levar por uma carinhosa e se sentiu fluir. Na volta, ficou repleto daquela indizível felicidade vinda do prosaico.

Talvez por isso fracasse na ânsia pelo amor; a humanidade é cheia de jogos e regras que o seu parecer de alma não se encaixa. Elas preferem os cafajestes, dizem.

Não dá pra generalizar. Afinal, eles também cometem lá os seus pecados. A busca da completude é árdua, e deve ser encarada com os eus. De preferência, intactos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Mea culpa

Hoje estou reflexivo sobre mim mesmo.

Ontem à noite, um menino de 14 anos, torcedor do San Jose, morreu atingido por um morteiro. Ao que tudo indica, o tiro saiu da torcida visitante. A do meu time.

O técnico Tite disse que trocaria o Mundial pela vida do garoto. Não refleti e disse o que não devia. Não li a notícia a fundo e paguei pela infelicidade. Imensa! 

Sim, num mundo tão banalizado pela violência, é possível se sensibilizar por uma vida que se perdeu.

A morte trágica deve ser sempre encarada com consternação. Se a pessoa vitimada for jovem, mais ainda. Assim como aconteceu na tragédia de Santa Maria.

Confesso que deveria ter me entristecido mais. Tanto num, quanto noutro. Não aconteceu. E às vezes me sinto desprovido de humanidade.

Acredito na imortalidade do ser. Ainda assim, a solidariedade ante uma experiência dolorosa do outro nos conecta com o mundo. Quem sabe não ajuda a crescer?