quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Eu vi a Fiel vencer o Cianorte

Eterno 12º jogador


Hoje eu vou reeditar um momento que, modéstia à parte, foi inspirado.

Espero que gostem

Eu vi a Fiel vencer o Cianorte

Quando Maringá silenciou, o que houve foi raiva. Um rotundo três a zero que ecoava pungente na minha cabeça. O tal do Cianorte escreveu um capítulo na série “Coisas que só acontecem com o Corinthians.” Perder para famosos sei lá quem. E dá-lhe gozação dos rivais. Mas, que deixasse estar. A história há de dar a nossa chance de reviravolta.

Mas o tempo teimava em não passar. Entrava jogo, saía jogo e nada. Eu não perderia por esperar. E a semana chegou. Eu respirava São Jorge. Via tudo em preto e branco. Os ingressos começariam a ser vendidos na segunda. E eu nem vi as mesas redondas de domingo. De Itaquera pro parque num pulo.

Eu não era o primeiro. Um senhor de jornal na mão sentava numa daquelas cadeirinhas de praia. Logo fiquei amigo. Figura das melhores o seu Amílcar. Quantas histórias! Ele me contou do famoso arrastão alvinegro que a Dutra experimentou em 76: a invasão ao Maracanã. “No sábado de manhã, pedi para uma tia, são-paulina fanática, bordar um número na minha camisa. Ela deixou a rivalidade num canto e atendeu com gosto. Depois, peguei meu Fusquinha e segui viagem. Na estrada, era buzina pra lá, “Vai, Curintia” pra cá. Uma zona. Era tanta gente que eu cheguei ao Rio lá pelas quatro da matina. Estava cansadão, mas a ansiedade era maior. Fui direto pra perto do Maraca. Quando os portões se abriram, lá estava eu. Quando vi, tinha mais fiel do que tricolor. E o time do Fluminense era um milhão de vezes melhor que o nosso. Até o Nelson Rodrigues reconheceu a nossa força.”

Parecia que eu estava lá. Banquinhos de plástico não havia. Mas bandeiras, sim. Muitas bandeiras. Fogos e foguetes. Um duelo surpreendentemente igual...


- Próximo!

O bilheteiro, gentil como ele só, me arrancou do devaneio. Tentei enxugar as lágrimas para garantir a arquibancada laranja, o melhor lugar do Pacaembu.

- Eu também vou na laranja. Se quiser, podemos combinar. Disse a ele que sempre me concentrava na banca da Charles Miller com os meus camaradas. Ele me falou de um lance sinistro que rolou no dia da invasão.

“Quando a torcida gritava, havia uma energia estranha. Não tinha certeza, mas parecia com Neco, o nosso primeiro artilheito. Sem dúvida um décimo segundo jogador. Quando o Ruço fez o gol de empate, ele parecia ter absorvido toda aquela vibração.” O João, moleque, não quis nem saber de respeito. Falou pro velho não viajar.

- Não é viagem, não. Vi uma coisa parecida naquela semifinal de 2001. A gente tava fora e o danado do Robert parecia que dominava a gente. O povo não gritava tão alto, mas não arredava pé. Do nada, eu vi um jogador correndo na direção do Gil. Era menor do que ele. Mas rápido que só vendo. Quando dei por mim, ele já tinha deixado o André Luiz no chão. Depois do gol, eu só não virei cambalhota de alegria porque fui abraçado por um gavião em êxtase. Quando fui contar o que vi ao meu tio, ele não teve dúvidas: pelas descrições, parecia o Cláudio, o maior artilheiro do Timão em todos os tempos. - Disse o Zé, não tão moleque.

O Pacaembu era uma panela de pressão já borbulhante. Até o lado das numeradas fervia. E eu vi algo de que jamais me esquecerei. O exército alvinegro entrou em campo com doze. Não! Não é mentira nem alucinação. Mas a pulsação misturada àquela imagem, confesso, entorpeceu-me da cabeça aos pés. Usava um uniforme diferente dos demais. Mais antigo. tinha o cabelo meio comprido com costeletas e um vasto bigode. Rivellino? Não! Não pode ser. Tem algum alucinógeno no ar, não é possível.

Quando o zagueirão do Cianorte falhou – eu juro! – ele pareceu possuir o Carlitos. Um a zero logo nos primeiros minutos de jogo. O time azul começava a entrar em estado hipnótico. Começou a ser dominado pouco a pouco e pareceu que sucumbiria. E, com um tranco, acordou do choque e passou a catarse para o trio de arbitragem, que não enxergou aquele maldito impedimento. Um a um.

Enfurecido, o Riva partiu pra cima do bandeira. Gesticulou e esperneou. Ao meu lado, um garoto começava a chorar. O amigo botava as mãos na cabeça e fazia um não desesperançado. O reizinho parecia perder um pouco de seu poder. Mas logo recobrou-se.

Corinthians! Corinthians, minha vida! Corinthians, minha história! Corinthians, meu amor!

O espectro mudou de forma. Ficou maior, mais magro e levemente barbudo. Doutor? Céus! Parece sonho. Lançou-se sobre Bobô, ganhou do goleiro na vontade... e isolou. Mas, quando Gustavo acionou Roger, não passou em branco. Invadiu a área para fazer dois a um.

Logo que o segundo tempo começou, lá foi ele outra vez. O mesmo Roger cruzou e Carlitos decretou o três a um. Logo depois, inspirou Carlos Alberto a mandar um balaço da entrada da área. Que não foi páreo para o travessão. O Magrão resolveu sair de cena. Diminuiu, ficou gordinho... Neto?! Uma camisa de força, por favor! O time azul voltou àquele estado meio catatônico. O Xodó estava em casa. Pareceu reviver aquele fim de tarde no Maracanã, quando daquele gol antológico contra o Flamengo do meio da rua. Mas o chute do presente tinha mais veneno. Foi tão ardente que o pobre Adir passou vergonha. Quatro a um.

Ainda era pouco para seguir em frente. O resultado igualava a diferença do jogo passado, mas aquele gol impedido mantinha a vaga em mãos paranaenses. Foi então que os três reis do parque se viram obrigados a unir forças. Tornaram-se uma só energia que anteviu o Gustavo dentro da área, acossado por três adversários. Recebeu. Caprichosa, a bola estava mais para o jogador de azul. Mais eis que ele não desiste. Estica a perna no último suspiro e toca nela. Teimosa, a gorducha não queria ficar a seus pés. E ele insistiu. Venceu seus oponentes na raça e deu o petardo a gol. Que estufou as redes pela quinta vez.


O gigante cravava o golpe de misericórdia naquele pequeno que ousara humilhá-lo um mês atrás. Estava sacramentada a glória final. Essa gente esfarrapada e debulhada pela vida evocou os seus deuses. E não sucumbiu sem luta. Assim eu vi a Fiel entrar em campo e vencer uma partida.

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