segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Greve

Ainda era madrugada quando Elza acordou. Quatro e meia. Precisava chegar às nove na Sé. Enfim uma entrevista. Dali a um mês comemoraria aniversário de desemprego. Graças a uma reestruturação daquela loja de roupas do Eldorado. Em frangalhos contábeis, resolveu cortar cabeças. Sobrou! Como pagaria a faculdade?

De bico em bico foi pagando o que dava, e não era muito. Seis meses de atraso. Não tinha mãe pra ajudar. Implacável, o infarto não deixara tempo de reação. O pai, coitado, não tinha aposentadoria que chegasse nem pra casa.

Vestiu do seu melhor conjuntinho e esperou deixar o Campo Limpo o quanto antes. Torcendo para que aquela marinete lotada não a amassasse inteira. E para que mãos mais atrevidas não a atacassem.

A caminhada até o Terminal fora mais acidentada do que de costume. O coletivo ficava mais tempo parado do que em movimento. A Estrada de Itapecerica era um oceano de carros, caminhões, ônibus e vans. Os motoboys se polivaliam em ziguezague, buzinaço e xingamentos. E ai de quem não desse passagem.

Seis e meia. Que o trânsito de São Paulo é insano, não é novidade. Mas a esta hora? O que é que tá pegando? Desceu no João Dias ainda tentando se refazer da tontura. Tomada de raiva e desespero: "Parece que os deuses conspiram contra mim."

Era verdade. Alguém nos céus, definitivamente, não gostava dela. O maremoto se repetia lá dentro, dessa vez com pessoas. E barulho. Tanta gritaria formava uma sonzeira uníssona de coisa nenhuma. Ensandecida. Conseguiu distinguir uma frase no meio da babel.

- O metrô tá de greve.

Percebeu que não eram os deuses das ruas os culpados. Não é possível. Justo hoje? Não vou conseguir.

Quinze pras oito. Finalmente conseguira pegar o Terminal Bandeira. Espremida entre hálitos e cotovelos.

Mas a marginal teimava em não andar. Oito e quinze. Batia os pés e resmungava. Sentia vontade de voar no pescoço de um daqueles homens de cinza. Quis descer e sair correndo pelo meio do trânsito. Conseguiu capitalizar o pouco de lucidez que lhe restava e permaneceu no lugar.

Dez pras nove. Ufa! A Nove de Julho deu uma folga no estresse. Chegou ao Bandeira ofegante. De sentidos turvos. Pareceu apagar em pleno movimento. Chegaria ao local combinado às nove e cinco. E à porta um aviso: "Vaga preenchida!"

Voltou a si. Foi catando as notícias aqui e ali. Soube de um tal de PR que os metroviários queriam. Não queria saber. Já faltavam cinco pras nove. Iria a pé, mesmo.

Nove e cinco. "Já era. Mas não cheguei até aqui pra desistir". Chegou à recepção tentando botar o coração no lugar. Subiu. Já cheia de vergonha pelo atraso, bateu à porta.

- Pode aguardar, disse a recepcionista. O seu Ferreira tá preso no trânsito e vai se atrasar um pouco.

Aliviada, Elza não deixou escapar a ironia. A paralisação que lhe foi tão inimiga havia também dado uma mãozinha.

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