sábado, 18 de dezembro de 2010

Rua do Medo: um tapa na cara da hipocrisia

Poderia ser uma peça de terror, pelo nome de causar arrepios. Pareceria ser uma comédia, como aquelas tantas cheias de escracho. Mas Rua do Medo usa os dois gêneros sem se contaminar por eles: se vale da comédia para denunciar o terror.

Rúbia realiza reunião de para discutir a insegurança da rua. A casa da vizinha Odila fora assaltada, e o seu portão eletrônico não funciona. Tudo seria prosaico, não fosse o gancho a abertura de uma caixa de Pandora.

A rabugenta Odila vive a reclamar desgraçar a vida, mas não dispensa um bom licor da Bavária. Como bom político, o assessor de deputado canastrão não consegue deixar os seus podres escapar. O filho adiciona depressão ao seu cipoal de psiquiatrices: está desempregado e foi abandonado pela mulher.

Mesmo assim, Adonis experimenta um processo de redenção com o amor por Gerusa, a doméstica. A trama surpreende, contudo, na escolha do seu alicerce: Capitão Tobias, o ex-policial, vê a sua empresa de segurança ser posta contra a parede. Mas vai virando o jogo e aos poucos denuncia a prepotência e o preconceito de cada um. Gerusa é o único elemento imaculado, porque representa o mártir. Cabral, o delegado, bem gostaria de assumir tais papeis, mas se enrola nas circunstâncias e tenta pagar de esperto.

A simplicidade é proposital. A começar pelo cenário, que dispensa elementos a fim de deixar o palco livre para o desenrolar da mensagem. Passa pelo texto, totalmente despojado de rodeios literários, mas magistral por deixar a mensagem transbordar profunda pelos seus poros. Quando entra em cena a morte do marginal, em magicamente orquestrada câmera lenta, a direção e o (ótimo) elenco entram em alfa.

Dirigida por Marcelo Lazzaratto, Rua do Medo é, no primeiro momento, misteriosa. Não dá a pinta do efeito que quer causar no espectador. Mas explora com maestria todas as suas possibilidades e, ao final, soa como sonora bofetada.

domingo, 14 de novembro de 2010

Desumanidade

Você me marcou
Colou tatuagem como uma sina
De mim o amor transborda feito sangue
Trago do íntimo a virtude
que ninguém vê.
Como se eu não tivesse
Seria monstro se assim o fosse
E isso aflora os meus monstros verdadeiros
Mas você vê o que convém
Pare de me rotular

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Mancha pra quem?

E somos tricampeões no vôlei masculino.

Este mundial teve sabor agridoce. Menos pela polêmica em torno dos resultados arranjados do que por não enfrentar os Estados Unidos - Clayton Stanley está há dois anos entalado na garganta.

Se os brasileiros não foram lá muito esportivos ao se poupar ao máximo contra a Bulgária - improvisaram Théo como levantador e pouparam Bruno para o vamos-ver, já que Marlon estava doente - o regulamento demonstrava claro viés pró-anfitriões. Pelo confuso livro de regras, haveria três fases de grupos e uma semifinal antes da decisão. E tudo conspirava para que o caminho da "azzurra" fosse mais florido.

Além do mais, russos e estadunidenses usaram do mesmo expediente.

A atitude do Brasil poderia ser só um misto de vingança com pragmatismo. Ganhou, de presente, um grupo de terceira fase com República Tcheca e Alemanha, enquanto os europeus bateriam de frente com Cuba e Espanha - adversários que o Brasil já havia enfrentado.

No fim das contas, os campeões não tomaram conhecimento das vaias e se impuseram diante de italianos e cubanos.

E não deixou dúvidas sobre quem são OS CARAS do vôlei mundial.

Hino italiano cantado à capela? Bonito, mas o Brasil já faz isso há anos.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Obrigado, Marina

Querida Marina

A primeira vez que te vi ao vivo, tinha de ti um conceito mal-construído. Mas, mal entravas ao palco do Teatro Folha, a falsa massa cinzenta foi tomando novas formas e cores.

Te vi enfim verdadeira: simpática, perspicaz e extremamente doce. Todas essas virtudes se misturaram em pouco mais de 140 caracteres no momento em que citavas trecho de "Construção" e num lapso a colocavas na pena de Caetano. Mas não te curvaras ante ao erro e riste de si mesma. "Tá vendo? É o inconsciente falando de Caetano porque ele disse que vota em mim".

Nunca vou me esquecer do efeito que o sorriso teu causou em mim. Da plateia, pude sentir aquela luminosidade me atingir como flecha.

Daí para integrar a campanha foi um pulo. Na entrada da Assembleia Legislativa, você me dava as boas vindas e me ordenava soldado. E o teu discurso na plenária me tomou por completo.

Fui vivendo todos os dias intensamente. Éramos todos fervorosos defensores teus das eventuais agruras da imprensa. De câmera, função que mal cheguei a exercer, passei a cuidar do canal no Youtube e da atualização dos vídeos no site. Veio o Sala de Marina, do qual eu dava uma pequena contribuição nos bastidores. Com o passar do tempo, cheguei até a participar de algumas edições.

Na última sexta-feira antes da eleição, fui ao Viaduto do Chá para a caminhada... que a chuva não deixou acontecer. Só à noite, pude ver a ficha cair. Quando chegavas para receber o nosso aplauso. Quando davas o teu agradecimento, tive um misto de sentimentos conflitantes: felicidade de ter feito parte daquilo; e também uma ponta de tristeza, porque, apesar dos percalços, pude perceber que tudo foi muito bom.

Levei este sentimento até a eleição, quando do teu pronunciamento vencedor. Se não alcançavas o difícil objetivo de ir para o segundo turno, marcavas um território importante na tão combalida alma política brasileira. Tua felicidade constrastava com o esvair da voz. Mas me abraçavas mais uma vez, e aquilo selava o fim de um ciclo.

Obrigado, Marina, por me dar a oportunidade de participar de algo tão grande. De conhecer tanta gente bonita. De partilhar de uma folha da história.

Ainda não acabou. Em 2014, vamos carregar-te mais uma vez. E venceremos de novo.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Uma tsunami chamada Marina

Maria Osmarina nasceu na mata, mas é toda Mar.

Estava com a vida em turbilhão quando cheguei ao Teatro Folha naquela terça-feira. Era a sabatina de uma certa ex-ministra e já candidata a presidente. Mal sabia eu que novas torrentes estavam por vir.

Lá encontrei Juliano Spyer, grande amigo dos tempos de América Online. Ele já fazia parte da equipe de comunicação da senadora. Iria a uma entrevista logo depois do encontro. A vida começava a virar.
“Peço para que entre no palco a senadora Marina Silva”.

Um falso maremoto pintado sei lá por quem

Aquele caminhar continha uma serenidade para mim estranha. Me acostumei a vê-la retratada injustamente como uma represa ao desenvolvimento do país. À medida que falava, desconstruía a injustiça de tal imagem. A voz aguda transmitia inesperada doçura.

Graciosa bucolia vista da praia

Quando falava de pré-sal, citou trecho da obra-prima “Construção” e a colocou na conta de Caetano. Foi prontamente corrigida: “É do Chico”. Mas não se deixou abater. “É o inconsciente falando no Caetano, porque ele disse que vota em mim”. O brilho daquele sorriso me acertou em cheio. A verdadeira Marina começava a se moldar.
Três dias depois, eu já fazia parte da equipe de comunicação. Significava o recomeço de uma trajetória profissional bastante irregular. A minha estréia aconteceria na manhã seguinte, quando Fabio Feldmann seria confirmado candidato do PV ao governo de São Paulo.

A despeito do frio, a Assembleia Legislatislativa fervia, já que vários partidos também definiriam os seus passos na eleição. Juliano apresentou-me a ela, que me deu as boas vindas.

Das profundezas, o fim da calmaria já se anunciava

Ela já estava na tribuna do plenário para discursar aos militantes. Estava cercada de partidários, e eu precisava achar o melhor ângulo para filmá-la. Mas, à medida que o discurso fluía, eu me distanciava do mundo sensível.

E quando acabou, me vi totalmente tragado por aquela tsunami

Com o tempo, meu trabalho sofreu uma metamorfose. Era para ser cinegrafista, mas a cúpula achou melhor contratar uma equipe de vídeo. E aí, passei a cuidar da publicação dos vídeos. Nada que impedisse novos contatos com Marina, sempre adorável e atenciosa. Filmei o ensaio para o debate da Folha/UOL, e também pude conhecer um pouco de Guilherme Leal, homem igualmente admirável.

Parecia que tudo caminharia para uma barbada (sem trocadilho) para Dilma. Mas o escândalo tomou conta da mídia. Primeiro, ao noticiar a quebra de sigilo fiscal a gente ligada ao PSDB. Depois, com um suposto tráfico de influências envolvendo Erenice Guerra, então Ministra-Chefe da Casa Civil e braço direito da candidata petista.

Nunca Maria Osmarina Marina foi tão MAR

Eis que uma tal Onda começou a acender um sinal... Verde. Marina cresceu e apareceu na voz de celebridades. O clube que já tinha Caetano, Bethânia, Gil, Marcos Palmeira e Adriana Calcanhotto, arauto da gente (gente, gente...), ganhou Wagner Moura e Gisele Bundchen – uma adesão tão barulhenta que fez a luz desabar. Com eles, vieram outros milhões de brasileiros. E os oito ou dez pontos martelados pelas pesquisas viraram dezessete na aferição final.

A sexta-feira final foi agitada. Debaixo de um tempo claudicante, que oscilava entre chuva e vento, fui ao Viaduto do Chá, de onde Marina partiria em caminhada até a Praça da Sé. Só que o passeio durou dois passos, já que a saúde tão castigada ao longo da vida não permitia aventuras debaixo de aguaceiro. A militância fez o trajeto por ela, e improvisou uma dança aos céus em volta do Marco Zero de São Paulo.
De volta à redação, uma surpresa nos aguardava. Marina nos saudaria em agradecimento pelo comprometimento que, sabia ela, ia além da esfera profissional. Não dá pra definir o que senti naquele breve momento; a felicidade de tê-la abraçado durante aqueles três meses se fundiu à tristeza de perceber que, no fundo, o ciclo chegara ao fim.

No dia da eleição, sacrifiquei os meus corintianíssimos princípios e fui votar de verde. Marina e Guilherme sorrindo a minha frente representavam o limiar de um epílogo. A história terminaria de ser escrita ainda naquela noite.
Não deu pra chegar ao segundo turno, mas o que era dezessete nas pesquisas quase virou vinte no vamos-ver. O Espaço Crisantempo estava lotado para o pronunciamento final.

Nunca vou me esquecer daquela entrada. Triunfante, nem parecia que aquela artista teria de deixar o palco. O cansaço era tanto que a voz se sustentava num fio. Mas nem por isso perderia a doçura de sempre. No final, envolveu-me em mais um abraço carinhoso e reforçou a esperança em um novo país.

Obrigado por tudo, Marina. Esse é só o começo.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma paixão que vem de berço

Diz o evangelista que não se serve a dois senhores. Tenho minhas dúvidas! Uma certa devoção devoção toma ares de religião e vira país. De estado nada laico. A aura dos fiéis escolhidos expande qual maremoto, às vezes cegando a razão. Mesmo ante epopéias vitoriosas, esse povo não verga à mais humilhante derrota. Torna-se ainda mais forte!

Meu corintianismo vem de berço. Literalmente! Enquanto eu nascia, um mar alvinegro encontraria o Rio. Foi uma loucura. Setenta mil fiéis dividiam a Meca do futebol com os aristocratas tricolores. Sob chuva, a garra operária desmontava a máquina e ia à final do Campeonato Brasileiro.

A paixão plantada por Licinho, meu padrinho, levou mais de uma década para florescer. Contra todos, eu torcia para aquele time que ressurgira da última colocação para disputar o título paulista de 87. Mas, do outro lado estava o São Paulo, campeão brasileiro. E, caprichoso, o destino fazia a glória fugir. Pior: fez a bola de Mauro morrer no travessão.

A frustração se traduziu em lágrimas. Mesmo entristecida, a Fiel aplaudiu o time de pé.

De 88 não escapou. Já no tempo extra, Wilson Mano batia de fora. E um garoto de 19 anos contrariara a física e desviara a história com o pé direito. O meu grito tão represado se misturava ao de Luiz Alfredo. “Gooooooooool do garoto Viola!”
Venci! E a emoção desabou sem que eu sequer sentisse. Nem pude perceber a cartada certeira do destino. Neto, o ascendente craque bugrino e corintiano desde sempre, se tornaria algum tempo depois um de meus heróis, que comandaria a vitoriosa jornada do primeiro título nacional.

Já consolidada, aquela árvore era cultivada pela genealogia. Não dá pra esquecer Jairo, meu tio, que me levou para uma partida decisiva contra o Flamengo, pela primeira Copa do Brasil. No primeiro jogo, dois a zero pra eles. Num tempo sem divisão de torcidas, acompanhávamos sempre o lado em que o Corinthians atacava. Da amarela, eu vi Neto abrir o placar com um gol olímpico. O Galinho empatava minutos depois, de cabeça. Mas mandávamos no jogo, e abrimos um 4 a 1 suficiente para seguir em frente.

O que não esperávamos é que, a três minutos do fim, Junior revertia a vantagem definitivamente. No ano seguinte, Neto comandaria a jornada vitoriosa de 90. A batalha contra o Atlético-MG se tornou um símbolo, pois o xodó operara um milagre. No primeiro jogo, perdíamos por 1 a 0 até os 36 do segundo tempo. Em menos de dez minutos, ele virara o jogo.

Em minhas andanças corintianas, percebi a ojeriza despertada em torcedores de outros times. Na decisão de 87, eu estava em um passeio com a família. No carro, havia mais cinco pessoas. Dessas, quatro estavam torcendo contra – três são-paulinos e um palmeirense - e um se manteve neutro. Na decisão nacional de 98, o Cruzeiro fazia valer o seu mando de campo: abrira contundente dois a zero. Uma saraivada de fogos saudava a vantagem cruzeirense. Mas Dinei e Marcelinho trataram de dar à euforia um ponto final. E aí, eu fui até a varanda e gritei: “Estourem fogos agora, seus...” Bom, deixa pra lá.

Esse sentimento é tanto que a derrota do Corinthians provoca nos outros uma felicidade incalculável, talvez maior do que as vitórias de seus respectivos times. É tamanho que uniu Grêmio e Internacional, inimigos mortais, em uma só torcida pela queda. E mesmo no capítulo mais trágico de sua história, o fiel se mostra digno. Tentou evitar o pior o quanto pôde. Não conseguiu! Mas avisou: “Eu nunca vou te abandonar”.

Acima de tudo, aprendi que ser corintiano não é uma vida de emoções, mas uma emoção só em toda a vida, na qual estão contidos a alegria pela vitória, o desprezo pela apatia, o desalento pela queda e, mais do que tudo, o indescritível prazer pela ressurreição. Nada mais glorioso do que a mítica conquista de 77, que dava fim a mais de duas décadas de injuriosa fome de títulos. Devotos de Jorge que somos, valorizamos a luta, mas isso não significa que damos de ombros para o talento. O nosso hall de lendários lá os seus guerreiros, como Casagrande, Biro-Biro e Baltazar, e os seus “escolhidos”, como Basílio e Viola. Mas a essência é de quem fazia da bola o fino, como Neco e Neto; Teleco e Sócrates; Luizinho e Palhinha; Cláudio e Wladimir; Rivelino e Carlitos.

Seja como for, agradeço a vocês por fazer deste século uma coisa especial. Nasci história, cresci consciência e vivo epopéia. Porque o Corinthians existe!

sábado, 26 de junho de 2010

Vencedores, sim senhor!

O basquete rendeu um domingo pra emoldurar e pendurar na melhor parede da memória. Um amistoso entre amigos de Oscar e de Earvin "Magic" Johnson, aconteceria no Ibirapuera. Não tardou para se tornar um embate entre Brasil e Estados Unidos, este repleto de egressos da NBA.

Parecia não dar pro começo, porque os chapas do Mágico livraram lá os seus 20 pontos. Mas na volta a torcida evocava o fantasma de 87. Em Indianápolis, o quinteto amarelo ousou vencer os donos da casa. "Brasil! Brasil! Brasil!"

E a reação começava. Tão temida que Earvin tomou a responsa pra si no afã de evitar o pior. Mas, no raiar do último segundo, os brasileiros venceram por um ponto. Sempre emocionado, Oscar agradecia o sexto jogador. "Valeu, gente!"

Em 2010, o combalido basquete brasileiro chegava ao Mundial da Turquia ainda numa fase de recuperação. Refizera a diretoria, renovara o campeonato nacional e passava a forasteiros o comando da seleção. O espanhol Moncho Monsalve dera ao time uma cara. Não conseguiu classificar para a Olimpíada, mas venceu o campeonato pan-americano em Porto Rico.

Não houve acerto, e a seleção passou por uma experiência que seria impensada no futebol: seria comandada por um argentino. Ruben Magnano fora artífice da estrondosa evolução portenha no basquete. Sob sua batuta, os hermanos levaram a medalha de ouro em Atenas.

Magnano teve algumas dores de cabeça às vésperas da estreia contra o Irã. Nenê sentiu uma contusão e teve de sair de cena. Anderson Varejão permanecia, mas também estava baleado. E os reservas estavam um degrau abaixo dos titulares.

Nos dois jogos iniciais, vitórias sem atuações arrasadoras. Se jogassem assim contra os Estados Unidos, era massacre na certa. Se não contava com todas as feras, ainda assim os caras sobravam. Meteram 29 pontos na Croácia e 22 na Eslovênia, os adversários diretos no grupo.

Mas o massacre não se concretizou. O Brasil chegou a vencer o primeiro tempo por 3 pontos. Os ianques reagiram no segundo, e a contenda ficou pau a pau. No último segundo, Marcelo Huertas errou o lance livre de propósito para tentar pelo menos a prorrogação. Mas a bola não caiu. Perdemos por 70 a 68.

Temos no Brasil um péssimo hábito de olhar o resultado apenas pelo ângulo dos números. Não se trata de relativizar a derrota, mas é importante enxergar a partida com um olhar mais positivo. Mesmo não tendo os EUA a sua seleção principal, ainda contavam com um belíssimo time. E os brasileiros travaram com essas feras um duelo de valor, que causou delírio entre os torcedores.

Os brasileiros saíram vencidos no placar, mas adquiriram moral e muito respeito. Dá pra chegar entre os quatro? Cedo pra dizer. Mas o jogo de ontem mostrou que o basquete brasileiro começa a dar sinais de ressurgimento.

Obrigado, caras!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

De frente com Zico: no passado e no presente

O clássico do povo luzia o Pacaembu de merecida multidão. Na ida, o Flamengo vencera por 2 a 0, mas os fiéis fizeram valer a sua esperança.

Eu e meu tio Jairo ficamos numa amarela ainda sem divisão. O Corinthians atacaria para o lado do portão principal. De lá, vimos formar um dos coloridos mais bonitos do futebol brasileiro: o embate do branco com o vermelho, tendo o preto como elemento ambíguo. As cores mais amadas da nação.

O passado majestoso encontrava um futuro heroico. O galinho por quem tanto torci quando de amarelo se vestia agora de oponente.

Do lado de cá do tempo, do alto dos 57 anos, o rei Arthur da távola rubro-negra já se vestira de história. Recebeu a reverência principalmente de seus palacianos, mas não só deles. Torcedores de todos os matizes também traziam os seus aplausos.

Logo de cara, o santista Xico Sá cumpre a obrigação de jornalista, mas descortina amargas lembranças: "Você acha que a sua participação no governo Collor foi um 'pênalti perdido' na sua vida?" Zico conta que assumira a posição de secretário mais para trabalhar pelo esporte no país. Para ele, o então presidente tinha boas ideias, mas aquelas que ele implantaria bateram de frente com setores que o apoiaram na eleição. Collor engavetou a lei. E, quando viu sem o necessário acesso direto ao presidente, pediu as contas e foi embora.

Também não fugiu do pau na hora de falar da Copa de 86. Para ele, era frustrante ter perdido a chance de dar vantagem ao Brasil em um duelo de titãs como aquele. E colocou-se em posição parecida com a de Barbosa, o goleiro da trágica campanha de 50. Algum tempo antes de o goleiro morrer, convidara para um evento todos os jogadores que defenderam a Seleção nas Copas do Mundo. Estavam presentes até jogadores das longínquas 30 e 34. "Ele dizia que a maior pena para um condenado no Brasil é de 30 anos. A dele já havia passado de 50. A minha vai fazer 24."

O episódio é lembrado, mas não vejo Zico como o Cristo daquela derrota. Até porque quem lembra sabe que ele ainda convalescia de uma contusão. Mesmo assim, Zico assumiu a responsabilidade.

Lá do passado, Neto fazia jus à letalidade de sua perna esquerda e punha o Corinthians na frente. Não durou tanto assim. Zico aproveita cruzamento da esquerda e empata de cabeça. Para seguir adiante, precisávamos fazer mais três gols...

Aí, o teatro Folha apagou-se. Qual câncer, o blecaute espalhou-se por boa parte de Higienópolis. Depois de um segundo de estupor e autógrafos, José Henrique Mariante, o editor de Esportes da Folha, deu um jeito de a sabatina continuar: eles aproximaram as cadeiras do público e prosseguiram à capela. Aqui e ali, algum entrevero. Um convidado ralhara com um jornalista que transmitia o evento pelo celular: "Ei! Desliga essa m...."

O galinho lembrou que o técnico Cláudio Coutinho introduziu o treinamento tático. "O jogador brasileiro gosta mais de coletivos e treinos de fundamentos. Ele mudou isso." Quando Paulo Cesar Carpegiani trocou de jogador para técnico, assimilou todas as lições e levou o Flamengo aos títulos da Libertadores e o mundial.

E não é que os gols aconteceram? Neto voltou a balançar a rede de Cantarelli, e Giba deixou o Corinthians a um passo da redenção. Da arquibancada, uma loucura. Mas os macacos velhos do Flamengo equilibraram as ações e passaram a jogar melhor. Em desespero, os corintianos paravam o jogo com falta atrás de falta.

Mas aí, a bola sobra para Eduardo do bico da grande área. Tudo virou câmara lenta. A pequena fazia uma decolagem rasante em curva, rumo ao canto superior direito do gol. Cantarelli projetava-se em desesperado salto para interceptar o voo. Não impusera força nem elasticidade suficientes: ela chegara ao seu destino.

O Paulo Machado mal conseguia conter a explosão alvinegra. Jairo desabalara para o alambrado para tirar uma com os flamenguistas ao lado. A classificação estava quase sacramentada...

Zico tratou de revelar o fim das rusgas com Romário. A história começa em 98, quando o Baixinho havia sido cortado da Copa da França por contusão. Revoltado. o craque fizera uma charge com ele e Zagallo no banheiro do seu bar. Zico o processou. "Uma coisa é você fazer uma brincadeira. Outra é me denegrir. Não queria um tostão dele, mas fui nesse processo até o fim em defesa da minha imagem. E ganhei!" No fim das contas, anos depois, Romário reconheceu que ele não foi o responsável pelo seu corte.

Mas, nos minutos finais, a zaga corintiana marca bobeira, e Junior toca na saída de Ronaldo, o Giovanelli. Faltou pouco, mas parávamos por ali. Empatamos na diferença de gols, mas o Flamengo seguiria em frente por ter feito tentos fora de casa. Peça de desfecho desolador, mas de espetáculo dos mais bonitos. O Corinthians cairia, mas de cabeça erguida.

Zico falou ainda de Copa da África e Ronaldinho. Fez dura crítica contra a falta de alternância de poder nos principais órgãos esportivos do país ("Não é possível que só tenham essas pessoas para comandar o nosso esporte"). E que não pretende voltar a ser técnico, já que agora é avô. Quer reparar a pouca participação na vida dos filhos com uma atuação maior na dos netos. "Perdi muita festinha de escola dos meus filhos por causa de futebol".

Já sem luz suficiente, o debate terminou mais cedo do que deveria.

terça-feira, 30 de março de 2010

Obrigado, mestre Armando

O esporte, o jornalismo e a literatura estão de luto.

O artesão das palavras parte para a eternidade.

Obrigado pela semente em mim plantada, mestre Armando.

Vai com deus.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Uma saga paulistana

O meio-dia já luzia a pino no céu. Depois de um Saara repleto de marasmo, um pequeno oásis: treinamento para um freela como pesquisador do Datafolha.

Começava a uma hora, e daqui para o centro não era uma caminhada das mais extenuantes. Carreguei o bilhete e fui tomar o ônibus. Calculei que chegaria com uns 10 minutos de antecedência. Só que uma maldita manifestação de professores me pregou uma peça.

O mar incandescente característico do rush paulistano entrou em tsunami antes do tempo. Da Teodoro à Consolação, mais de meia hora. Desci e peguei o metrô. Seria uma viagem cheia de vaivéns. E o tempo seguiu o seu curso inabalado. Apertou o prazo.

Agora, cada segundo tornou-se uma raridade. Cada parada excedia a tensão. O que era para ser uma vantagem, adversidade. O Paraíso pareceu um purgatório, e fiz o caminho inverso das almas perdidas, rumo à Sé.

Na Linha Vermelha, o dérbi da cidade se eternizou. Corinthians de um lado, Palmeiras de outro. Sumo sacrilégio: Tive de ir para o lado alviverde. Purguei o pecado na Santa Cecília.

Uma e pouco! Já meio distante da pontualidade, troquei a divindade pela história. O Duque de Caxias levou-me ao Barão de Limeira. Para meu alívio, a deselegância discreta da impontualidade brasileira passou-me o pano na testa.

Tantos como eu desempregados pouco a pouco se apresentaram. Uns já formados, outros versados em pesquisa, todos necessitados.

No intervalo, conversei com duas colegas. Uma fizera contabilidade e trababalhara com "pessoas em situações de risco", como moradores de favelas, por exemplo. Tinha acabado de trocar João XXIII pela Bela Vista. A outra morara em Marília e estuda ciências sociais na PUC. Na saída, a moça ainda se perdia no meio daquela babel chamada São Paulo. Ainda iria à aula dali.

Na volta, mais uma vez traí o meu coração. E paguei caro por isso.

Achei que tomar um ônibus na Barra Funda seria melhor do que virar sardinha nas baldeações do Metrô. Mas me vi entalado no caos da Sumaré. Tão parada que desci antes para ir a pé pra casa. Uma moça loira teve a mesma ideia. Pareceu me seguir. Mas apenas ia para o mesmo lado.

"Você também vai para o Largo da Batata?" Perguntou!

Disse que pararia antes. Mas, como o papo tava muito bom, estiquei a caminhada de propósito. Era uma paulistana de Belo Horizonte, com mineirês deliciosamente acentuado. Despediu-se nas proximidades do Largo, e eu tive ímpeto de ir atrás dela. Mas dei a volta e fui pra casa. Parece que o jogo começa a virar.

Em todos os sentidos.

terça-feira, 9 de março de 2010

Diário de Bordo: Rumo ao Rio

Pareceu uma briga de deuses. De um lado, Hércules queria que eu fosse. Mas Poseidon fez de tudo para impedir. Mas o heroico semideus vencey a batalha.

Embarquei no Expresso Brasileiro do meio-dia e quinze rumo ao Rio. Faria reciclagem de um curso destinado a homens ministrado na Irmandade.

A primeira parte da viagem foi um misto de leitura e descanso. Passei na loja de revistas do Tietê para comprar um jornal. Levei o Estadão e comecei a ler a partir da capa. Almir Pazzianotto criticava duas leis trabalhistas propostas pelo governo: uma obrigaria as empresas a destinar parte dos lucros aos funcionários; a outra reduziria a jornada para 40 horas semanais. Carlos Alberto di Franco refletia o jornalismo, que para ele estava mais discursivo do que investigativo.

Paramos no Graal de Lorena. Caríssimo! Um conjunto de sanduíche simples de queijo e suco de caixinha beirou os 10 reais. Naquele momento, já me chamava a atenção um sujeito com camisa do Real Madrid (com o nome do Kaká) e calção do River Plate. Na poltrona ao meu lado, perguntou as horas, mas adiantou que não falava português. Como viu que eu tinha alguma familiaridade com o inglês, começou a puxar papo.

Darren é um jornalista inglês que viajava o mundo cobrindo os mais diversos esportes. Disse que viajou a diversos países do mundo e sempre teve uma espécie de voz interior que o mandava ao Brasil. E não se arrepende. "As pessoas aqui são muito amáveis. Na Inglaterra elas não são assim."

Quando falei da diversidade da gastronomia nacional e citei a comida de Minas como uma das "especiais", ele lembrou-se de Gilberto Silva, meio-campista revelado no Atlético Mineiro. Darren disse ter conhecido sua esposa por acaso, e descobriu que, no tempo em que jogava no Arsenal, Gilberto morava a duas quadras de sua casa, em Londres. E lhe deu a sua camisa de jogo.

Falamos também de Copa do Mundo. Argumentei que o grupo do Brasil não era dos mais fáceis, porque, apesar de serem teoricamente inferiores tecnicamente, Portugal e Costa do Marfim poderiam fazer partidas equilibradas. Darren nnão crê em tantas dificuldades assim. Darren não gosta dos jogadores africanos. Para ele, são fortes fisicamente, mas não tão bons tecnicamente.

Eu disse a ele que, embora façam chover em suas jogadas, falta noção tática à maioria dos jogadores brasileiros. Além disso, muitos deles não se adaptam ao exterior, e voltam logo. As exceções são Kaká, Raí e Leonardo.

A essa altura, estamos enfim às portas do Rio, na Avenida Brasil. "Há muito trabalho a fazer até as Olimpíadas, hein?". Concordei, mas adiantei que o grosso das competições aconteceria na Barra, longe da zona central. Da rodoviária, nos separaríamos. Ele rumaria a Ipanema. Eu, à Tijuca. No balcão de informações, nos despedimos. Lembrei-me ainda do norte-americano Jake, amigo de um conhecido, que veio passar uns dias em São Paulo, e concluí que me tornara para-raio de estrangeiros por aqui. Será um sinal?

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Segui as orientações de casa, e perguntei por um ônibus que passasse na Praça Saens Peña. A minha sorte é que a moça do balcão da Localiza tomava um na volta pra casa, e me indicou o 606, que vai para o Engenho de Dentro (passa, inclusive, pelo Estádio Engenhão).

Tive um pequeno problema: o ônibus não tinha cobrador, para quem poderia pedir para descer perto do famoso Alzirão, onde há uma tradicional festa quando o Brasil joga nas Copas do Mundo. Preferi ir por conta, e torcer para dar sorte.

Na passagem pela rua Mariz e Barros, ele cruzou uma rua da qual ouvi falar nas outras vezes que estive lá, a São Francisco Xavier. Desci e andei por ela. Sabia que encontraria a minha referência principal: a Conde de Bonfim. Dei de cara com o Largo da Segunda-Feira. No primeiro momento, fui para o lado contrário, porque ela virou Haddock Lobo, mas depois me encontrei.

A Rego Lopes aparecia discreta do lado de lá daquele restaurante onde comi há coisa de um ano. Uma epopeia apaixonante, que teve lá os seus momentos de tempestade, culminaria com uma bonança: a aula do mestre Antonio Carlos de Azevedo Ritto.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Johnny Alf: verdadeira estrela primeira da Bossa

Alf: 80 anos de genialidade (foto: Ed. Abril)

Nasceu Alfredo José da Silva, pisando nas calçadas musicais de Vila Isabel. Não por acaso, debutou na música logo aos nove anos, tocando piano clássico.

Logo migrou para a música popular. Tinha paixão pelas trilhas sonoras de Hollywood. Amava Gershwin, Porter e Cole. A partir deles, criava melodias. Trouxe a bagagem ao seu primeiro conjunto musical, aos 14. Com um rapaz que tocava pandeiro e uma cantora, saía de Vila Isabel para tocar no Andaraí.

Tal afinidade o levou a fazer amizade com um pessoal do Instituto Brasil-Estados Unidos, onde entrou em um grupo artístico. Um dos integrantes do órgão, com a mania de simplificar, o chamava de Alf. Então uma amiga sugeriu que juntasse o apelido a um nome muito popular nos Estados Unidos. E a arte de Alfredo José ganhou nova identidade: Johnny Alf.

Efervescente, a turma multinacional fuundou um clube para disseminar as músicas brasileira e norte-americana. Com a volta ao Brasil de Farnésio Dutra, o Dick Farney, o clube passou a se chamar Sinatra-Farney Fan Club. Nessa época, precisou tingir-se de uma dose de teatro, já que conciliava o inconciliável. A interminável noite tocando no clube com o serviço militar como cabo na Escola de Sargentos das Armas de Realengo. Em 52, conheceu o animador Cesar de Alencar, que tinha uma cantina em Copacabana e queria um pianista.

O teste não chegou nem a terminar: Alf passara com honra. Mas isso representava um cisma com a família, que o queria burocrático. Não tinha jeito! Ou seguia o plano, ou teria de ganhar o mundo. Seguiu o seu próprio projeto.

Tocar para tanta gente era uma luta para o tímido Alf. E o público era tão refinado quanto o pessoal do clube - gente do quilate de Tom Jobim e Nora Ney. Lá, quem o ouvia era o maestro Radamés Gnatalli e um certo João, vindo da baiana Juazeiro. O esboço de uma tal Bossa Nova começava a se desenhar.

Na casa do general Victor Freire, compõs "O que é amar", um libelo sobre os conflitos com a família, com quem mal falava desde que optou pela Cantina. Naquele tempo, compõs ainda "Estamos sós" e "Escuta", peças do disco "Convite ao Romance, da rainha do Rádio Mary Gonçalves. Não demorou para lançar o seu próprio trabalho, em 78 rotações. Com ele, neste trabalho, a banda continha um contrabaixista (Vidal) e um violonista (Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto), formação corriqueira no jazz, mas inédita no Brasil. Tais andarilhos atraíam a atenção de Silvia Teles, Roberto Menescal, Carlinhos Lyra e Ed Lincoln.

Por volta de 53, o retrato do que viria depois estava pronto, com nova harmonia e uma poesia mais solta de "Céu e Mar" e "Rapaz de Bem". Dois anos depois, sem mais nem menos, cruzava a Dutra e desembarcava em São Paulo.

Mal poderia imaginar que seria pivô de uma frase marcante de Vinícius de Morais. Tocava em um bar da cidade quando um grupo de bêbados reclamava do som. O poetinha tomou as suas dores e disse para Alf voltar para o Rio, porque "São Paulo era o túmulo do samba." Só que Johnny fazia jazz. Vinícius se retratou depois.

Já estabelecido na capital paulista como professor do conservatório Meireles, foi procurado pela cantora Marcia. Ela queria uma música para concorrer no Festival da Record de 67. "Eu e a brisa" já tinha o instrumental. Só faltava a letra. A canção fracassou no evento, mas ganhou posteridade algum tempo depois.
O precursor fazia shows esporádicos pelo interior de São Paulo. Humilde, contentava-se com a parca popularidade que a obra lhe deu. Se não era totalmente esquecido, seus shows não atraíam um público que se pudesse chamar de grandioso.

Em 4 de março de 2010, o corpo parou de funcionar. E uma grande alma se libertava. Pior para o Brasil, que perdeu muito e não se deu conta disso.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Pimenta na boca?

O palavrão é o marginal da nossa sociedade. Que família tradicional não o combateu nos seus filhos, em nome das boas maneiras?

Prisioneiro na maioria dos lugares, o estádio é o lugar onde ele se liberta. E liberta quem o fala. Serve como arma contra a frustração de um gol perdido, uma infração injusta, a expulsão absurda, o defensor que perde o passo na hora H.

Pois eis que a Paraíba instaurou uma lei contra o nosso amigo até nas arenas? Batizada com o enfadonho nome "Pimenta na Boca", a igualmente esdrúxuula legislação que proíbe baixo calão e gestos obscenos nas partidas de futebol. Para os "legisladores", tais gestos incitam a violência.

Engraçado... existem medidas tão mais simples e efetivas do que essa para coibir as brigas. Isso chega a ser tragicômico, porque nada efetiva e antidemocrática.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A reconstrução de um país

Liberto permanece o pensamento
Ele foi o meu alento quando o corpo foi prisão

O chefe da segurança do presidente aguardava os reforços que havia pedido. Desagradável surpresa: os homens eram brancos, antigos artífices da segregação. E estavam ali por ordem do Madiba. Na reunião do partido, os novos donos do poder votavam por mudanças. Exigiam mudança de hino e o fim da alcunha "Springboks" para o time de rúgbi nacional.

Ele então ruma à sede e pede a reconsideração. Enquanto padecera na prisão, estudara o inimigo em todas as suas nuances. Aprendera até mesmo a sua língua. Avisou aos seus, porém, que assumira o comando com o intuito de unificar o país. Os africâneres eram, portanto, compatriotas. Não mais inimigos. Se tirasse isso deles, daria início a um processo de vingança, que segregaria o país para sempre.

A alma de Nelson Mandela se revelou em toda a sua grandeza em Invictus. Ainda com a ferida marcada por 27 anos de cárcere pela luta contra o apartheid, assumiu a reconciliação da África do Sul com o futuro como uma missão. Ainda que contrariasse aos seus, fez mais do que manter os Springboks: tornou-o um símbolo para a jornada, mesmo tendo apenas um negro no time.

Sede do mundial de rúgbi, a África do Sul estava longe da elite do esporte. Mas Mandela queria a vitória como instrumento para a missão. Então, chamou para um chá o capitão da equipe, François Pienaar. O encontro foi um divisor de águas na vida do atleta. "Nunca conheci ninguém como ele."

A evolução do time se torna muito mais emocional do que técnica. É na base da inspiração que os Springboks encontram forças para encarar o torneio. Ensinam rúgbi a moradores de uma favela e visitam o presídio onde Mandela ficou preso. Aos poucos, os negros vão se juntando na torcida daqueles que outrora os oprimiram. Os espíritos, tão separados, vão se unificando.

Não há palavra suficiente para descrever a personificação de Morgan Freeman. Transporta para a ficção toda a singularidade de Nelson Mandela. Só um homem de tamanha grandeza para se mostrar dominador de todos os sentidos e sentimentos e opressor do ressentimento em prol de um bem maior. Em entrevista a Veja, revelou fazer a incorporação do personagem de maneira intuitiva. Não poderia fazer melhor. Em sua personalidade singular, o governante parecia desligado. Mas nada lhe escapava. Disse um de seus guarda-costas: "No tempo de (Frederic) De Klerk (antecessor de Mandela), eu aprendi a ser invisível. Para Mandela, ninguém é invisível."

Se não sobrepõe o brilho do protagonista, Matt Damon não deixa de emitir a sua luz própria. Faz de Pienaar não apenas um porta-voz das aspirações de Mandela, mas como parte consciente dela. Antes do encontro com o líder, pediu aos seus companheiros que bebessem uma lata de cerveja para provar o amargo sabor da derrota. "Para que lembremos dele e não os sintamos nunca mais."

Tantos anos de separação não se resolvem em alguns anos. Algumas refregas ainda há por resolver. Mas a competição foi o início da reconstrução da África do Sul como país. Sob Clint Eastwood, Invictus retrata com maestria e sem rodeios o início desse processo.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Osasco versus Rio: duelo em altíssimo nível

Assistir a jogos entre Osasco e Rio de Janeiro é constatar o porquê de o vôlei feminino brasileiro ser o atual campeão olímpico. À parte esperar-se sempre uma disputa de cinco sets, vale observar a categoria das jogadoras em todos os fundamentos.

A última partida, no ginásio José Liberatti, mostrou tudo isso. O time de Bernardinho saiu na frente. Venceu o primeiro set por 25 a 23. No segundo, placar atípico a favor das comandadas de Luizomar de Moura: 25 a 18. As paulistas passaram a frente em seguida no set mais disputado (27 a 25) mas deixaram de fechar um quarto set em que chegaram a ter quatro pontos de vantagem: virada do Rio por novo 25 a 23.

No tie break, Osasco abriu frente, mas as cariocas reagiram. Mas a meio de rede Fabiana e a ponteira Joycinha não estava em seus melhores dias, e o time foi levado nas costas pela ponta Erika. Do lado de lá, a levantadora Ana Tiemi sentiu câibra e teve de deixar a partida, mas foi substituída à altura por Carol Albuquerque. E Osasco fez valer a força de um elenco melhor e venceu a partida: 15 a 12.

A excelência do jogo pôde ser vista sob o seguinte ângulo. As jogadas de primeiro tempo entre Dani Lins e Fabiana são sempre mortais. Mas, contra o Osasco, elas não têm essa facilidade toda. A líbero Camila Brait e as ponteiras Jaqueline e Taís se mantiveram numa linha defensiva muito eficiente, e Fabiana sumiu do jogo.

O lado paulista conta com uma espetacular jovem jogadora. A oposto Natália, que tem absurda potència no ataque, mas sabe jogar também com inteligência. Na posição de levantadora, houve clara vantagem diante do rival. Ana Tiemi e Carol Albuquerque são jogadoras de seleção, e Camila Adão, substituta da contundida Carol Gattaz, ainda não está no mesmo nível de Dani Lins. No meio, Thaísa equilibrou as ações, enquanto Adenízia oscilava. Jaqueline não foi bem no ataque, mas defendeu muito.

O confronto é a presença de uma seleção brasileira quase que completa. Completariam o escrete nacional Mari Sheilla e Fofão, do São Caetano. Ter tanta gente boa por aqui é um orgulho para o país.