quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

As coisas do coração

Natal. Tempo de exacerbar o sentimento!
Vivemos às vezes num mundo lotado de senões quanto aos sentimentos.

Vejo que as regras batem com a convivência porque nos adequamos à conveniência. Pra conquistar, é preciso seguir um manual ou exercitar determinado comportamento de que o outro gosta. 

Abrir o jogo demais é burrice. Deixar-se levar não se recomenda.

Invejo a imaculada espontaneidade das crianças. Certa vez, minha sobrinha me viu chegar, correu em minha direção, abraçou minha perna direita e disse: "Pipi, te amo".

Infeliz da tola apaixonada que, louca de vontade de dizer o mesmo, incorre em erro. Arrisca padecer condenação pelo olhar racional do outro, que pode chegar ao cúmulo da deselegância: "Não diga isso! É muito profundo!"

O sentimento é então acorrentado pela razão. Como pode ela se enamorar dele se pouco o vê? E se, num gesto de inocência, ela vai com excessiva sede ao pote, ele se assusta. Então, agressivo, dá na pobre um chega-pra-lá de esmigalhar sonhos.

Não é o caso de dar murro em ponta de faca. Mesmo que o coração obscureça as razões, há que se ter alguma sensatez. Mas, por medo de banalizar o amor, levamos a racionalização às últimas consequências. Despejamos sentido demais no que pouco se explica.

Se em Roma devemos agir como os romanos, vence no jogo das emoções quem corre algum risco. Repletas de atmosfera, as horas anteriores ao Natal convidam a tais vivências. 

Aquele tímido não se aventurava a grandes voos. Poderia ligar e ter a resposta imediata, mas sempre travava na hora fatal. Preferia o conforto da mensagem escrita, mesmo que a volta demorasse ou nem viesse. Ela veio! Generosa! Sufocado de tanto sentimento, ousou subverter a lógica e não titubeou em se doar.

Sentiu-se bem com isso. Ainda que o fim da história não seja o que ele espera.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Pérolas jogadas ao vento

E as pérolas não param de ganhar o horizonte. Pra onde vão? Ainda não sei. Como, de novo, escrevo pra expressar o que se passa dentro de mim, aqui vai mais um poema. Se fazemos pra alguém e não funciona, ao menos resgatamos com uma gotinha de arte a nossa pendência de vida com a eternidade. Propositalmente, ele se chama...

Bom dia!

Constelações
Em porta-retratos
viram recatos 
No fundo do pó

Cansei de ser só

Vez em nunca
Descem do véu
Vertem do céu
Brotam gracejos
Da pátria de Zeus

Rotos cortejos meus

Pálida terra, caída
Espalha qual cor em vida
Rasga em raio a madrugada
Reluz no ardor d'alvorada
Brilha em mim prateada
À luz da manhã fugidia

Linda! Você me ganha o dia.

Reflexão pós-aniversário

Na passagem pelos meus 36 anos, vivi uma overdose de emoções (boas, na maioria) e reflexões. Uma delas versou sobre a incondicionalidade do sentimento.

Encara-se como pecado dar esperando algo em troca. Não falo do oportunismo da troca de favores - isso realmente não é passível de se ver com bons olhos. Mas, às vezes, sentir-nos presentes nas vidas de outras pessoas reconforta.

Independente de qualquer coisa, torna-se gratificante deixar felizes pessoas de quem gostamos. Senti essa verdade este ano e não vou me esquecer da sensação.

No entanto, às vezes também desejamos receber - e não vejo isso como pecado. Algumas pessoas se lembraram do meu aniversário, outras não. Houve lembranças surpreendentes; outras, esperadas. Houve esquecimentos que passaram sem susto. Um em particular, no entanto, me entristeceu - e continuo, mais do que nunca, "forasteiro de ti" (Talvez seja hora de me exilar).

Sou incapaz de crer que um sentimento não possa ser retribuído. E aniversário, pra mim, está longe de ser uma data corriqueira. Pra mim é, sim, muito importante receber cumprimentos.

Que me chamem de qualquer outra coisa, não me importo mais. Como já disse aqui uma vez: lidar com adversidades não elimina o direito à decepção.




quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O grande artista faz diferença

Do alto do viaduto Plínio de Queiroz, sobre a Nove de Julho, mais de oito décadas de batuque me contemplavam. A Vai-Vai se preparava para mais uma noite de ensaios. O meu destino era outro: o teatro Maria Della Costa, onde assistiria à peça "A Sogra que Pedi a Deus". Vestido de arlequim, no entanto, o Criolé doido romperia o Bixiga e levaria o seu samba para dentro do espetáculo.

À subida para o auditório, uma senhora amparada pela neta discorria sobre a atriz que dá nome ao teatro: "Foi uma artista muito importante". De fato, a atriz gaúcha refinou o talento artístico em Lisboa e desenhou a carreira encenando gente como Jorge Amado, Nelson Rodrigues e Plínio Marcos.

Enquanto subíamos, um compilado de recortes emoldurava as suas palavras. Fundada em 1954, a casa fora projetada "só" por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, e contou com montagens consideradas muito imponentes. Só que, às vésperas dos sessenta, necessita de uma repaginada. Ainda que confortáveis, as cadeiras rangem e a cortina está remendada. Um incauto do público chegou a comentar que ele parecia o mesmo dos tempos da fundação.

Flávia e Renato planejavam havia muito uma viagem de lua de mel ao Caribe. Mas parece que tudo dá errado: ela é chamada de volta ao emprego e Dona Zulmira, a sogra, resolve passar um tempo na casa porque o encanamento da sua estava passando por reparos. Reta, a trama a partir daí se enfeita de poucas situações e algumas caixas de pandora, mas não se desvia do seu mote principal: a rivalidade entre a velha e o marido de sua filha.

Quando o duelo está para começar, Criolé doido dá de saci e resolve aprontar o seu samba: dá pau no som do teatro, e o elenco é obrigado a improvisar. O incidente quebra a invisível barreira com o público que, longe de se portar como Bárbara Heliodora, sinaliza que tá tudo certo. As tais brechas dão ainda mais graça ao evento. Numa das mais divertidas, Zulmira se esquece de um nome, e recorda certa vez em que fazia uma Rapunzel com peruca chanel. Lembrou o nome! Foi em frente.

Na pele de Zulmira, Papa tira da cartola, ainda que inconscientemente, o espírito do musical Hairspray - que mais tarde virou delicioso filme - e a peça As Filhas da Mãe, em que homens se travestem de senhoras.  O marido, interpretado pelo também ótimo Alexandre Freitas, bem de longe, vislumbra Jim Carrey com interessante jogo de expressão e presença de palco - é impagável a dança com que Renato comemora as férias, lá no comecinho da cena.

No apagar das luzes, desvestem-se em definitivo Flávia, Renato e Zulmira. Ainda pintado de sogra, o excelente Renato Papa pede desculpas pelo incidente e se insurge contra as falhas do Della Costa. Com a autoridade de quem esgrimiu os entreveros com maestria - e do "louco" que protagonizou quatro peças em um único fim de semana.

Não poderia a peça prescindir de uma pitada de erotismo e palavrão. Até porque, se o fizesse, soaria ridiculamente artificial. Passa entretanto longe do despautério. A exuberância de Flávia tinha tudo para cair na vulgaridade. Não caiu. Porque, mesmo discreta em cena, a esposa ganha de Soraya Zaffarani uma elegância que poucas vezes vi em cena.

Nos agradecimentos, Papa fez propaganda de um restaurante bixigano que inventou prato com seu nome que tem mandioca como ingrediente. Usou o mote pra me lançar uma brincadeira: "Imagina você, negão, ir lá e pedir um prato com mandioca. Não dá, né?"

Pra lá de simpáticos, os três se postaram ao lado da porta de saída para cumprimentar o público. Desafiado pela sorte, o elenco mostrou ter feito a diferença, e misturou o proposital despojamento do texto com interação e improviso, que resultou num espetáculo de atmosfera única.

Na saída, o ensaio da Saracura corria solto, e Criolé ganhou novamente a Praça 14 Bis. Mas, depois de tudo, o deus samba há de me perdoar por ter ficado, dessa vez, em segundo plano.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

As várias nuances da arte

Parecia um daqueles fins se semana cheios de mormaço. O tempo virou e um resfriado daqueles caiu em mim como bigorna. Não virou gripe sabe-se lá por que, mas me impediu de ver o samba passar na Cantareira.  Barba e Jelleya, velhos conhecidos dos áureos tempos de Sasp, disputavam mais uma final de samba. Já os tinha visto perder na Tom Maior, e não pude presenciar glorioso triunfo na Acadêmicos do Tucuruvi. 

Com tristeza vi o vento frio de sábado fechar-me as portas enquanto eu brigava em vão contra nariz, espirro, coriza e quetais. Em permanente reflexão sobre os tempos modernos, revi as fotos de duas semanas atrás. Numa delas, quase não me reconheci. Lembrava-me de cantar o maravilhoso "sai da frente" e de posar para a câmera numa irreverência pra lá de incomum na minha persona que pende mais para o reservado.

Como integrante de uma comunidade espiritualista que se recolhe no Carnaval, me vi cobrado pelo paradoxo. Depois de muito refletir, deixei lá a foto. Eles disseram que "fui um monstro" naquele dia. Concluí que o valor da amizade e da plenitude poética que a composição me incutiu valia um pequeno desvio de rota.

O domingo me reservaria outros horizontes. Refúgio dos meus preferidos, a Sala São Paulo novamente reservava a Bachiana Filarmônica. Ainda me recordava as maravilhosas danças húngaras de Brahms, quando quem se revelaria daquela vez seria Ravel, que se orgulhava de ser a sua música uma expressão muito mais de sentimento que de intelecto.

No começo, o Don Quixote de Francisco Campos Neto pareceu dobrar triste ante Dulcineia. João Carlos Martins viajava na mesma onda, porque Hebe Camargo se fora - levando com ela cinco décadas de história televisiva. Dedicou a ela "Pavane pour une infante dèfunte", o réquiem para uma criança morta. Mas, mais teimoso que heroico, em suas próprias palavras o bravo maestro mudava o rumo do que era certo. O que era preto foi aos poucos tornando cinza.

"Rapsódia espanhola" e "As portas de Kiev" começavam a virar o jogo e encher a alma de uma emoção mais colorida que cinzenta. E o conhecidíssimo "Bolero" retomava em microcosmo todas aquelas sensações e irrompia como sempre em sua verve memorável - e trazendo também uma recordação do passado, em que ele fazia pano de fundo para um número artístico de Cosme e Damião.

Como sempre, Martins trouxera surpresa, e nela uma revelação. Viraria a sua vida cinema pelas mãos dos Barreto. Marcelo Serrado, cujo talento viajou entre os extremos Crô e Tonico Bastos, viverá o maestro. Redescobrindo o pianista Humberto, de O Dono do Mundo, Serrado tira da cartola um prelúdio de Bach. Libertango sela a rapsódia já pra lá de reluzente à volta da Estação de trem transformada em sala de espetáculos.

A arte em todas as nuances banha a vida. A popular deu vez dessa vez à chamada erudita. Cada uma a seu modo, enche a alma de vida.


domingo, 9 de setembro de 2012

Samba sete: a sensação sentida ao vivo

Fazia década que não ia à Tucuruvi. Ainda me lembro da final para 2002, quando Jelleya, Kadu e companhia venceram a disputa pra falar de Uberlândia. À primeira vista, pareceu que o tempo não passou. O mesmo posto da Petrobras ao lado da quadra, já na esquina com a rua Purus, a mesma simplicidade acolhedora do lado de dentro.

Iam chegando os componentes de diversos setores: ritmistas, harmonias, diretorias. Antes de entrar, dividiam três espaços: uma van de cachorro-quente em frente à quadra, uma barraca do outro lado da Mazzei e outra do lado de lá, logo depois da Purus. A certa hora, Adamastor chegava com refrigerantes e, com a autoridade do mestre que é, manda os batuqueiros darem uma força.

Iam chegando os competidores, cada um com sua cor, mas com algo em comum: o desenho de Mazzaropi às costas. Aos cem anos, o Jeca Tatu mereceria da Cantareira honrosa homenagem - justiça seja feita, o contemporâneo Adoniran, tão genial quanto, não teve a mesma sorte. Ouvi as gravações em estúdio do samba 7, de Barba, Jelleya, Alemão, Felipe Mendonça, Maurício Pito e Leandro Franja, e não pude deixar de arrebatar. Tinha que ver aquela "paulada" ao vivo.

Ainda deslocado, um incauto dos tempos de Sasp me cumprimentou: Fred Marimba. Dez anos depois, estava um tanto mudado, mas enfim reconhecível. Eu, de boa memória, levei um tempo pra reconhecer o perucheano de voz potente e jeito de compositor. Ele percebeu a dúvida e ainda tirou onda da minha cara. Confesso no deslize, admito: ele tá coberto de razão.

E enfim me enturmei. Surpresa e felicidade ao receber cumprimentos de Jelleya pelo post anterior - que foi lido por todos os integrantes da parceria. Eles me perguntaram da dinâmica do Confraria - um blog pessoal, pouco lido e, por isso, de periodicidade incerta. Alemão e Marimba conversam sobre as caravanas feitas às finais do Rio, vitórias incertas e o nem sempre fácil acesso dos compositores aos melhores intérpretes.

Chega o Barba e chama o Raphael para a passagem de som. Aquela névoa que misturava alegria, emoção e poesia emanada pela composição, ao ouvir o áudio pelo computador, multiplicou-se ao vivo ao soar de tantas vozes engajadas e embargadas. Entramos, porque o Sete seria o primeiro samba a se apresentar.

Lá dentro, Adamastor dava à batucada um andamento cadenciado - temperado com a ótima paradinha reggae adotada de outros carnavais. Jelleya pediu pra torcida se espalhar até a área permitida pela harmonia. Quando Raphael entoou o grito de guerra, a mesma emoção. Foi uma apresentação machucada pelo feriado, já que muitos viajaram, mas muito consistente. 

Ouvi a passagem dos demais sambas e suas torcidas. Armênio e Imperial, excelentes compositores, não poderiam deixar de entregar ótimos cartões de visitas. A briga é boa, mas as chances não são nada desprezíveis. Um fim de noite para recordar e repetir. Assim espero.

domingo, 26 de agosto de 2012

Um samba pra lá de Mazzaropi

O ano carnavalesco que desemboca em 2013 já começou. Definidos os temas, compositores lançam mão do enredo para viver o sonho de levar uma obra pra avenida.

A Acadêmicos do Tucuruvi, vice-campeã de 2011, presta reverência ao centenário de Amácio Mazzaropi, o paulistano criado em Taubaté que traduziu em arte a figura do homem do campo de sua época. A obra do artista compreendeu passagens por circo, rádio, TV e cinema.

Composta por campeões deste ano, a parceria de Barba, Jelleya e Alemão conta ainda com Felipe Mendonça, Maurício Pito e Leandro Franja. Mais do que acertar mais uma vez, o grupo conseguiu ultrapassar seus próprios limites.

Barba conta terem eles ido além da sinopse: viram 6 filmes, leram o livro e visitaram o museu. Tanta preparação resultou numa obra à altura de Mazzaropi.

Alternando o foco narrativo do folião ao artista, o samba tem a levada alegre, tão característica da União da Ilha, sem abrir mão da poesia. Mazzaropi parece emocionado ao começar a contar sua história. Usa a frase feita, mas não deixa de ressaltar que "Minha fantasia é feita de amor" e "O teu sorriso me faz feliz".

Mas não se engane que o "maior dos caipiras" é matreiro que só. Num átimo puxa um sorriso com o inspiradíssimo refrão central. Saca da ironia e crava: "O Jeca Tatu não é puritano/ Há! Há! Há!/ Ele é corintiano".

E então torna, novamente terno, a relembrar da fase midiática. O público continua crucial, pois que é imagem e semelhança ("Na tela da TV eu fiz/ Espelho pra gente se ver"). E o final, certeiro, trata com extrema felicidade a morte do artista - a leucemia levou Mazzaropi em 1981. Obra e carnaval, no entanto, o eternizam. Mazzaropi é estrela não só porque parte, mas porque é arte. 

Essa mistura de irreverência e lirismo tem pela frente ótimos concorrentes. Ainda assim, dá à agremiação da Cantareira uma enorme possibilidade.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A glória discreta de Arthur Zanetti

A trajetória contemporânea da ginástica artística brasileira contemplou Luiza e passou por Daniele, Daiane, Diego e Jade. Garimparam vitórias importantes em Mundiais. Diego Hypolito foi bicampeão no solo, em Melbourne (2005) e Stuttgart (2007). Também no solo, Daiane dos Santos venceu na americana Anaheim (2003). E Jade Barbosa conquistou um expressivo bronze no individual geral de Stuttgart. Nenhum deles, no entanto, conseguiram traduzir a aventura em conquista olímpica. Coube a um discreto paulista de São Caetano ser o primeiro a inscrever tal glória na história esportiva brasileira.

A medalha de ouro de Arthur Zanetti não era cogitada pelo torcedor pouco afeito ao esporte. Mas quem acompanha com um pouco mais de assiduidade já poderia esperar coisa boa vinda dali. A primeira vez que o vi competir foi quando ainda atualizava um blog chamado Planeta Esporte. 

Era 2008, e ele se classificava a duas finais da etapa eslovena da Copa do Mundo, uma competição menos expressiva do que os Mundiais e as Olimpíadas. Fora terceiro colocado no solo e sexto nas argolas, a sua especialidade. À época, o aparelho ainda tinha no trono o holandês Yuri Van Gelder e atletas mais experientes, como o francês Danni Pinheiro. Parecia ser bom atleta, mas não carregava cartaz. Ainda assim, eu dizia a mim mesmo: é bom guardar este nome.

Até que, no mundial de Londres, no ano seguinte, o cara tirou um surpreendente quarto lugar, com 15.325, a 2 décimos e meio do primeiro colocado. Dois anos depois, em Tóquio, a nota sobe 275 milésimos (15.600) e ele vai ao pódio: só fica atrás do chinês Ybing Chen.

Arthur chegou a Londres credenciado. Dele, no entanto, pouco se falava. Apostava-se em Cielo, Fabiana, vôlei, futebol. Enquanto estes ainda figuravam na linha de frente, ora vencendo aos trancos, ora conseguindo menos do que almejava, ora sucumbindo ao vento, Arthur ziguezagueava pelos flancos, sem dar bola pra fama. Optou por um exercício mais conservador na fase inicial e se satisfez com o quarto. Guardava na manga uma carta mais matreira. Apresentar-se-ia por último na decisão.

Chen e o italiano Matteo Morandi tinham feito grandes apresentações. Sem olhar para o lado, fez o seu. Nem mesmo a leve imperfeição do pouso abalavam o alívio de ter bem cumprido a missão. Os 15.900 finais  selaram uma inédita medalha de ouro. 

Aqui encerra-se uma história e, espera-se, começa outra. Que o Brasil crie juízo e faça de Arthur a referência para a criação de futuros campeões.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

São Paulo em 140 toques

No porto onde as pessoas pegam os seus sonhos ao chegar ou, já disperso deles, se vão, arte resume em  som e dança; canto e corpo, a maluca metrópole.

Como um microcosmo de si própria, microcosmo do mundo, numa miríade tons migrantes se abrem. O Rio, a Bahia, o Centro-Oeste. E ela própria.

Tão democrática, não se envergonha de, na mesma colcha de retalhos que tão lhe é peculiar, misturar o  clássico corpo dourado do sol de Ipanema ao indecifrável tchutchatchá. Ivete, como sempre, premedita o breque.

Assim, "da japonesa loura à nordestina moura", independente dos seus governantes, a cidade se encontra, se discute, se reinventa. Nem que seja na forma de som e corpo; canto e dança.

A gigante Rodoviária do Tietê; da imensa São Paulo; do imponente Brasil.

domingo, 22 de julho de 2012

A legitimidade do ressentimento

Uma reportagem do Esporte Espetacular foi a cereja do bolo de uma reflexão que, por motivos pessoais, há algum tempo eu vinha fazendo.

Luis Figo, ex-craque da seleção portuguesa, esteve no Rio para divulgar um movimento para beneficiar jovens carentes via futebol. Tratava-se de uma competição que dava aos vencedores oportunidades de treinar em grandes clubes. Os campeões ganhavam uma semana no CT da Inter de Milão. Quem ficava em segundo iria para o Fluminense.

Consolado pelo pai, um menino copiosamente derramava o choro da derrota, talvez uma entre tantas a que terá de se habituar. Em criança, ainda terá as lágrimas toleradas. Mas, quando crescer, terá de se tornar um forte - afinal, homem não chora.

Um conjunto de normas da vida (não gosto muito de falar em sociedade, porque soa clichê) fala muito em aceitar rejeições e derrotas. Infundem pressão para não "fraquejar", como se fácil fosse pra digerir. Como se não pudéssemos ligar o mecanismo da frustração inerente a situações assim.

Tal imposição pode ser vista com particularidade no universo afetivo. Certa vez, o filho de um amigo, meio desajeitado nos tais jogos da conquista - palavras dele mesmo, porque não sei se existe "o certo" em horas assim - encantou-se com uma simpática moça com quem estudava. Tentou chegar perto do seu jeito, e a chamou pra um café. Eis que a moça devastou todos os sonhos: percebeu o interesse e disse, de modo nada gentil, que já estava em outra, "tava muito legal" e "não tava afim de criar problemas no relacionamento". 

Como "lidar" com uma coisa dessas? Fingindo que nada aconteceu? É correto lugar-comum reconhecer a legitimidade da opção da menina de não estar afim. Mas não será direito dele, também, ficar decepcionado com ela?

É óbvio que aqui não vão incluídas as portas na cara levadas na balada: ir ao divã porque levou toco na pista de dança é demais. Mas situações mais profundas demandam lá o seu luto particular. Tristezas, revoltas,  ressentimentos e sedes de vingança, se não devem virar modo de vida, também não podem ser varridas pra debaixo do tapete em nome de uma suposta iluminação. A meu modesto ver, a tal purificação espiritual depende da vivência destas emoções.

Pra lá de magoado - menos pelo fora em si do que pela forma agressiva com que foi dado - o menino quebrou as tais"regras": deu um gelo definitivo e sequer dá bom dia. Aos poucos levanta, sacode a poeira e até tenta dar a volta por cima. Mas, embora um tanto exagerada, a atitude advinda da mágoa é, sim, muito válida.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Amor: tão singelamente intenso

Existem coisas que, parece, foram feitas pra cair no seu colo.

Dia desses, fuçando no Facebook, uma amiga compartilhou o que se considerava o mais sensacional dos pedidos de casamento. Tirou a novidade do site Cortissa.com.br

Isaac Lamb não se contentou com o conservadorismo latente em jantares caretas ou noites de lua-cheia. Precisava dar a Amy uma tarde inesquecível. 

Pois eis que ele saca de "Marry You", de Bruno Mars, e fez uma coisa pra lá de especial. Singela e criativa, mas não improvisada, tampouco original. Inspirou-se em Glee e U2 e transformou a ocasião numa superprodução da Broadway.

Fazia tempo que não me emocionava tanto - talvez pelo desejo de viver um momento como esse em breve. Não se faz uma grandiosidade dessas se o amor de Isaac não for infinito. Não se recebe uma proposta tão épica se Amy não for absurdamente especial.

Diante disso, me pego refletindo um pouco a respeito da solitude da caminhada eterna. Será que estamos mesmo a sós? Não sei! Às vezes o amor, vertido em ínfimas porções como essa, nos faz evoluir sempre juntos.

No plano terreno, parece nos fazer crer que há espaço para a felicidade nas nossas vidas. Sempre do nosso jeito! Nunca opressora por paixões vazias e vontades alheias. Mas sempre nos ensinando que quem merece a nossa atenção é aquela pessoa que te completa com um simples "bom dia".

Não saia sem antes ver o vídeo. Prepare o lenço.

sábado, 5 de maio de 2012

O microcosmo de Brittany


Assisti recentemente a "Sabor de uma paixão". A história de uma moça que, abandonada pelo namorado, fica no Japão e resolve aprender a fazer um prato típico do país. O título do filme revela um pieguismo que passa longe de ser o seu mote. Mesmo com uma carga de previsibilidade, a atuação da inesquecível Brittany Murphy é um libelo segundo o qual a conexão de dois sentimentos é possível. Mesmo que os códigos sejam os mais diversos possíveis. "Ramen Girl", no entanto, mostra muito mais do que o filme quer supor.

Abby se muda com tudo a que tem direito para morar com o namorado em Yokohama, no Japão. Só que, de uma hora pra outra, o cara dá um pé nela e se manda. Sem saber muito o que fazer, a menina encontra refúgio emocional numa casa de lámen, um tradicional prato japonês. Pra descobrir o tal "seu lugar no mundo", resolve aprender a fazer a iguaria.

Só que não seria nada fácil, porque o dono do estabelecimento, eleito por ela seu mestre, tá longe de ser um gentleman. Sem falar uma gota de japonês, ela aceita as condições e vai em frente, mesmo que aos trancos e barrancos. Nesse meio tempo, conhece Toshi, rapaz que estudou em Los Angeles e, portanto, fala inglês. Como não poderia fugir do previsível, os dois viram namorados.

O tempo parece não contar a favor de Abby. Os progressos com o lámen não vêm, e Toshi está de malas prontas para a China. Ela dominava a técnica, mas faltava alma. Fazia o prato com a cabeça, que vivia em turbulência, e não se direcionava a uma morada mais tranquila. Quando passou a usar o coração, o encanto se fez: transferiu para ele toda a sensação de abandono que os seus amores proporcionaram. 

Abby é vivido por Brittany Murphy, talentosa atriz que tinha nos olhos e na aparente alegria de viver o que a fazia fascinante. Infelizmente, ela se foi muito cedo, vitimada por uma contaminação por fungos existente em sua casa, que vitimou também o seu marido, Simon Monjack, alguns meses depois. A impressão que eu tenho, porém, é que algumas de suas personagens representavam um microcosmo de sua própria vida. 

Stacy, de A Agenda Secreta do Meu Namorado, descobriu ser o cara com quem ela se relacionava não  exatamente o que ela imaginava. A duras penas, percebeu que uma outra garota tinha mais a ver com ele do que ela. E seguiu o seu caminho. Molly, de Grande Menina, Pequena Mulher, fez tudo para que o namorado ascendesse na carreira de cantor. E ele puxou o seu tapete. E mesmo Sarah, de Recém-Casados, até viver "feliz para sempre" com Tom, precisou vencer uma torrente de turbulências.

Óbvio que não sei o que se passava em sua vida conjugal. Mas me parece que Brit não teve uma vida amorosa lá muito feliz. Ela e Monjack não passavam uma imagem de harmonia - diz-se que não deixou nada para ele de herança. A família que lhe deu origem legou uma mensagem de ruptura - os pais se separaram quando ela tinha apenas 2 anos, e ela viveu distante do pai desde então. 

Aos 32 anos, foi exatamente o coração o que a fez partir. Ashton Kutcher, intérprete de Tom e ex-namorado de Brittany, teve um belo lampejo de tristeza e saudade: "O mundo perdeu um raio de sol. Vai com deus, pequena. Nos vemos do outro lado".

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Uma maravilhosa viagem no tempo - Parte 1

Comandante desta viagem ao passado, Kátia nos convidou
a presenciar a obra de Maria Bonomi
Quando o aniversário de São Paulo começava a bater na porta, decidi não repetir a dose do ano passado. Em 2011, quis muito sair, mas não planejei e desanimei. No começo da semana, pesquisei tudo o que haveria para comemorar os 458 anos da cidade. Sabia que haveria interminável leque de atrações. E, como São Paulo é o microcosmo do mundo, seria impossível abraçá-lo em exíguas 24 horas.

Descobri uma iniciativa muito interessante. Nos fins de semana, o Metrô faz passeios monitorados a pontos importantes do Centro e abriria uma exceção naquela quarta-feira. Fechei o roteiro com o programa especial da CBN que discutiria a São Paulo do futuro e experimentaria o Turismetrô à tarde. O passeio da Liberdade me pareceu bastante promissor.

Quando cheguei ao balcão, próximo às roletas da Sé, era algo como meio-dia e meia. Algumas pessoas já aguardavam. Senhoras, famílias, casais. Funcionários tentavam organizar a fila para não atrapalhar o fluxo. Se durante o dia a cidade não desperta, apenas acerta a sua condição, no feriado ela também não para: apenas diminui um pouco o ritmo.

A São Paulo dos anos 20. Nem sombra
do colosso que é hoje
No formar da fila, resolvi fazer o passeio da Luz. Deixaria a Liberdade para outra ocasião - dessa vez, quem sabe, acompanhado. Esperamos pelo nosso guia à beira do mezanino, onde dois rapazes arriscavam alguns acordes ao piano. A simpaticíssima Katia Cristina ainda arrumava o aparelho que amplificaria sua voz quando já dava as primeiras recomendações. "Como nosso grupo é um pouquinho grande, vamos nos dividir em dois carros. Mas a turma que estiver desgarrada não precisa se preocupar. Estaremos lá em cima esperando por vocês."

Na chegada, a estação que tanto conheço pela rotina rumou para um clima diferente. Parecíamos voltar no tempo embalados por uma obra monumental. O mural da artista italiana Maria Bonomi nos embalava nesta viagem. Dividida em três lances, é um tributo à história e aos povos que modelaram esta fascinante cidade. O amarelo representa o povo nordestino; a branca, os imigrantes europeus; o vermelho, a onda histórica que fez São Paulo saltar da irrelevância para o protagonismo na vida brasileira: o café. O local não poderia ser mais apropriado para tamanha homenagem. Na onda migratória e imigratória, todos os povos se encontravam na Luz. E perdiam muitos objetos, também retratados na obra. "Na sessão de achados e perdidos, encontra-se de tudo. Desde chupetas e mamadeiras até dentaduras", conta Kátia.

E os viajantes do tempo saltam
do mural pra mais história
Mais adiante, o quadro ao lado da escada que leva ao Museu da Língua Portuguesa mostra um pedaço de um passado quase desconhecido - mais pelo que ele não tem mais. Mostrava as origens da região, como a plantação de chá que originava o viaduto que liga a Praça Ramos de Azevedo à Praça do Patriarca. Eis que, como que saídos do mural de Bonomi, uma certa faxineira nordestina encontrava um italiano, que precisava ir à Praça da República. Estava tão entusiasmado o ragazzo que contou das origens da feirinha de artesanato local -  começou com Barros Pimentel, um filatelista que lá vendia selos. Falaram também da enormidade que é o Copan, um edifício tão imenso que cabe a população de cidades inteiras. "Há um CEP só pra eles", contou a moça.

E a misturar eras, os dois rumaram à República. E nós seguimos para a Estação da Luz. Lá novas histórias nos aguardavam.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A São Paulo do futuro

Os céus do 25 de janeiro despertaram vacilantes. Em meu infinito particular, porém, decidi exorcizar a inércia do ano passado e curtir o aniversário da minha cidade. São Paulo completava 458 anos de uma história marcada por desordem e acolhimento. Mui injustamente chamada de feia, a metrópole não tem uma beleza fácil: precisa ser explorada em meandros para ser compreendida e amada.

Mesmo com a receita perfeita para se perder e achar coisas novas, o roteiro estava bem definido. Pela manhã, assistiria ao programa da CBN no Pateo do Collegio, o exato lugar onde a cidade nasceu. Depois, experimentaria o TurisMetrô, iniciativa do Metrô para desbravar o centro da cidade em suas histórias e tesouros escondidos.

São Paulo pareceu seguir a saga do padroeiro que lhe dá nome. Assim como o apóstolo combateu o Mestre em seus primeiros caminhos, a cidade não mostrou de cara o seu verdadeiro potencial. Seu "caminho de Damasco" aconteceu no final do século XIX com o tal negro que virava ouro. Originário de África, o café chegou ao Brasil pelas mãos de Francisco de Melo Palheta via Guiana Francesa e se instalou no norte/nordeste. Mas lá não se adaptou, e veio a São Paulo. Gostou daqui e fez o estado engrandecer.

Da Praça da Sé, a caminhada ao Pateo mostrou uma manifestação pelo dia do bem. Pela pequena rua que a ele dava acesso, deu pra ver uma pequena multidão organizada em fila. Parecia a princípio para o programa. "Devia ter acordado mais cedo". Vendo mais de perto, deu pra perceber que era para um passeio de trólebus. A reflexão pela tal "sustentabilidade" não se esgota em palavras, mas também em sinais.

Não significava que a atração radiofônica estivesse pouco concorrida. O eco de Manoel da Nóbrega pedia para que nele não se apoiasse, porque ele poderia cair. Lugares nos pufes já não havia mais: só restava ficar de pé. Muitos dos presentes, fãs da ótima Tulipa Ruiz, que daria o som ao lado de Marcelo Jeneci.

Apesar de repleto de gente que ama São Paulo, prevaleceu o tom questionador. "Falamos mal porque queremos bem. Se quisermos um futuro melhor, não podemos perder o olhar crítico", defendeu Juca Kfouri. Já para Gilberto Dimenstein, a cidade será sempre tensa, mas, portadora de grandes talentos, poderia abrigar um parque tecnológico. "É uma pena que o poder público não olhe para este lado".

Dimenstein chegara pouco depois do início do programa. Fora saudado por outro atrasado, o gaúcho Milton Jung. Ele chegara de Porto Alegre para fazer um teste na Globo, passou e acabou ficando. Trajava uma camisa com os seguintes dizeres: "Controle um político antes que ele controle você". A que José Luis Portella emendou: "O voto distrital é fundamental para isso". O evento aconteceu em paralelo com um protesto em frente à Catedral da Sé, ali perto. Soube-se depois que o prefeito Gilberto Kassab recebera uma saraivada de ovos e quase recebeu o diploma de pior governante municipal. Justiça seja feita: embora deixe a desejar, Kassab não foi pior do que o padrinho Maluf e seu "primo" político Celso Pitta.

Multitarefas, Juca ainda acompanhava pela internet a final da Copinha, entre Corinthians e Fluminense. "Não se chamar Corinthians é o erro mais indesculpável desta cidade". Mas o comentarista não perdeu a seriedade e o costumeiro senso de protesto ao falar dos prefeitos. "Quem dera eles cuidassem da cidade como uma dona-de-casa cuida de seu lar". Em seus comentários não sobrou pedra sobre pedra: bateu nos tucanos pela ação na cracolândia; em Marta Suplicy, pela campanha preconceituosa contra Kassab; e no PT, porque acreditou ter errado ao não apostar em Marta. "Ela, acertadamente, priorizou a periferia, mas foi abandonada pelo seu próprio partido".

O ótimo Ruy Ohtake esteve duplamente presente: em corpo e obra. Ele desenhou o painel que serviu de cenário ao programa, em que continha a transformação das moradias de Heliópolis por ele iniciada e projetos de outras metrópoles que poderiam ser úteis à capital. Ele sugeriu a transformação da zona leste em um grande parque esportivo e a maior participação de arquitetos contemporâneos na imagem da cidade. "Todos nós temos direito à beleza", ponderou Dimenstein.

O tom predominantemente crítico do programa se mostrou necessário, já que São Paulo tem de fato tantos problemas quanto as suas medidas. O futuro só se constrói quando atacamos as mazelas do presente. Mas creio que um tom positivo também seria importante, porque mostrariam as armas para melhorarmos uma cidade caótica, mas mesmo assim fascinante.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Pérolas aos porcos

Lembrou-se do tempo em que surgiu. Chegou a ver, de fora, na barriga. O passar dos anos fez com que criassem alguma afeição. A criança tinha medo do mar e corria atrás para brincar.

Com a adolescência, pôde enxergar também uma rusga de sensibilidade. Desenhava capas de livros e escrevia versos. Inocentemente pueris, mas ilustradores de uma alma conectada. Era mesmo especial.

A luz de encanto dormia por ora: precisava buscar novas experiências. No profissional, alguns lampejos de glória. No sentimental muitas jornadas de dor; a da traição e a do aprisionamento.

Acabava de ingressar no mundo superior. Não sabia como lidar com o novo rumo. Ao contar à Mãe Bondosa as dificuldades, tentou represar inevitável pranto com o dedo. Quando ele se rompeu, partiu-lhe a alma.

Conseguiu, entretanto, superar a adversidade. Chegou ao fim, com glória. Algo lá dentro bateu que precisava prestar homenagem. Encheu-se de orgulho da grandiosidade que viu outrora coisinha e chegara a uma grande conquista.

Um daqueles versos fugidios se escondia em livro. Fez um lindo embrulho e esperou a oportunidade. Não se veriam no Natal; nem no Ano Novo; viajaria em janeiro. Então, só no fim do mês, no encontro de Sebastião, o rei das florestas.

Imaginava o momento em que diria o quanto estava feliz. Selaria, mais uma vez, o imenso carinho transbordante. Não, não poderia sequer imaginar algo além, mas tinha lá a sua dose de amor. Entregaria o embrulho, veria o sorriso e dariam fraterno abraço. Enlevou-se então com um momento que imaginaria feliz por compartilhar tamanha admiração.

Esperou quase um mês até o grande dia. Toda a turma tava lá, e era só esperar. Até que de relance ouvia: "Não vem". Não é possivel! O encontro era essencial! Era quase imperativo que toda a comunidade estivesse presente. Via a porta se abrir em vã esperança.

Por pouco a frustração não fizera perder o pé. Só restava entregar via família - e nem assim conseguiu. Na parte do ser que guarda os sentimentos, um misto de tristeza e decepção. Na química entre os dois, um lampejo de raiva. Planejou um gesto de carinho, por tanto tempo represado... e ela sequer apareceu. Pareceu que simplesmente não o queria receber.

Sentiu mais uma vez jogar pérolas aos porcos, e uma resolução de ano-novo não se cumpriu. Humilhado e cheio de raiva, jogou a toalha: rasgou o embrulho e guardou o livro. Era mesmo melhor desistir, e retomar o novo caminho prometido: só dar valor a quem realmente merece.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desencanto

Ainda se habituava ao novo serviço. Depois de três anos amargando o estágio, virar secretária bilíngue significava um salto e tanto. A adaptação não fora fácil, mas contava com um chefe pra lá de paciente. Mesmo que, em muitos momentos, pintasse a vontade de desaparecer Espaço afora.

Já mais vivida na rotina, começava a soltar um pouco as garras do pudor. Foi tomar café na copa com Antônio Carlos, do setor de propaganda. E dois colegas dele chegaram pra bater um papo. Marcos era o elo de fora, com quem podia papear mais à vontade. Mas era o outro, Célio, que a interessava mais. Era belo, com um semissorriso tímido que a fazia corar. Mas nunca que conseguia um dedo de prosa com ele. Parecia nunca sair da casca. Nem parecia alguém que trabalhasse em comunicação.

Não parava de pensar no moço, mas sabia se manter. Parecia estar no caminho certo. Seus mentores do Astral sinalizaram um "menino" no serviço. Não tinha certeza se era ele, mas não contara a ninguém do interesse despertado. Dava bom dia à equipe, mas sempre olhava pra ele só de soslaio. Queria chegar mais perto, mas não via jeito. Apareceu uma chance com o crepúsculo do ano; o tempo em que todo o mundo desejava sucesso para si e para os seus e estava cheio de espírito seria ideal para algum gesto. Mas o elo entre os dois lados, Antônio, acabara de entrar em férias. Não tinha jeito: obrigou-se a esperar.

Quando ele voltou, segurou a empolgação e agiu no limite da cautela. Perguntou ao amigo se podia dar a ele uma lembrança, nem que seja pra ele saber que ela existia. Antônio recomendou que ela tivesse calma, pois seria imprudente qualquer movimento brusco. Afinal, não podia arriscar o emprego. 

Corou de vergonha ao ler a mensagem. Sabia que era um movimento ousado, mas achou que ganharia sinal verde. Afinal, escondeu-se por muito tempo das coisas, e aprendeu que grandes conquistas às vezes prescindem de sensatez e lógica. No fim das contas, não se arrependeu de ter ao menos ensaiado uma tentativa. Ora, o que de pior poderia acontecer? Por mais ilógico que fosse, seria uma estupidez ser mandada embora por uma intenção. Sossegou um pouco.

Célio e Marcos, sempre grudados, rarearam na copa. Um dia apareceram, e ela resolveu ficar um pouco. Já dava tempo para ela ter alguma ideia de quem era ela. Ficou na sua, e só observou. Nem lhe dera bom dia; não dava pelota de sua presença por ali. Conversavam os dois baixinho, como se ela mal existisse. Foi embora com uma despedida discreta aos demais. Custava ao menos ter um pouco de simpatia? Na pior das hipóteses, deveria ao menos ter educação. Nem isso.

Foi embora com uma sensação de mágoa na garganta. Da cabeça aos pés, exalava boa dose de decepção. Sentiu-se uma completa idiota cheia de carência. Talvez fosse melhor fazer o seu e partir pra outra.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O Natal humaniza São Paulo

O ônibus parou na Consolação ainda sem previsão de partida. Não pegar o metrô foi péssima escolha. Faz uma conversão para a Alameda Santos e segue em frente, sem convicção. Do jeito que estava, a Vila Mariana parecia um sonho distante. 

Desceu antes mesmo de tentar. E cometeu o que seria uma burrice ainda maior: ir a pé até o shopping. A loja fecharia às dez, e o desespero tirou-lhe a capacidade de pensar. Mas até que teve lá a sua compensação; o Natal humanizou a Paulista.

Dá pra calcular, por alto, em uns milhares. Paulistanos de todas as idades em estado de maravilha visitavam o enorme vestíbulo de Papai Noel que descera pouco antes do Masp. A neve temporã no Banco Real e a floresta no Bradesco também atraíam flashes e curiosos. 

Isso sem falar nos desenhos em luz no Conjunto Nacional, na Fiesp e em tantos outros edifícios de um centro que se notabilizou por rótulo da cidade: o de um centro de trabalho e finanças. Ainda que longe de representar primores de arte, a Paulista despertou a vontade que São Paulo mostrou de ser mais do que isso - ela já sabe disso, mas ainda padece da reducioníssima alcunha de "cidade do trabalho".

Chegou à Bela Vista a tempo. Porque a loja fechava às onze. No fim das contas, reacendeu as esperanças numa cidade ainda absurdamente caótica e às vezes agressiva e ainda conseguiu fazer as compras que queria.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Nonno Paolo, a polícia e o racismo



Um casal de espanhóis levou o filho adotivo, um menino nigeriano, para almoçar no Nonno Paolo, restaurante e pizzaria localizada no Paraíso.

Eis que o gerente do restaurante se coloca no extremo oposto ao nome do bairro onde trabalha. Aborda o menino, que não entende português e, alegando tê-lo confundido com um menino de rua, bota-o dali pra fora.

Isso me envergonha como brasileiro e paulistano. E me enoja como negro.

O racismo subterrâneo que assombra o país nos deixa em constante sinal de alerta. E qualquer animosidade pode ser interpretada como um problema "de cor".

Ainda que muito leigamente, tenho lido muito sobre a tal abordagem policial. O código de processo civil, em seu artigo 240, fala na tal "fundada suspeita" de que alguém esteja portando uma arma na rua. Tal recurso é aberto a várias vertentes preconceituosas. E alguns homens de farda usam disso e cometem abusos. Porque "têm um perfil definido", como cor de pele e tipo de roupa, numa demonstração do mais abjeto preconceito.

Já aconteceu comigo algumas vezes. Numa delas, o energúmeno justificou a "blusa amarrada na cintura". Noutra, o infeliz notou a minha indignação e disse que "não está escrito na testa de ninguém quem é bandido, quem não é". Numa outra, sequer houve justificativa.

De certa forma, tal artigo se choca com uma letra da Constituição. No artigo 5º, sustenta-se a inviolabilidade da honra do cidadão. Ao abordar uma pessoa por considerá-la "suspeita", o (mau) policial julga, constrange, humilha e vai contra a Carta Magna.

E em boa medida tal pré-julgamento tem a ver com a pele escura - embora esteja também embutida discriminação social.

No meu humilde modo de entender, esse artigo do código deveria ser no mínimo, repensado. Claro que o porte ilegal de arma deve ser combatido... mas como saber com cem por cento de certeza? Por mais tapado que seja, o bandido tem a exata noção de que, até o ato fatal, a arma não pode ficar à mostra. 

Com inteligência, é possível combater a insegurança sem ferir a honra de um cidadão de bem.

PS: o belíssimo vídeo acima mostra o quão feliz foi a Caixa na propaganda pela consciência Negra - que deve ser exercitada em todos os dias do ano. É portanto atemporal.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Um breve balanço

Chega o ano novo e resolvo estrear uma de minhas resoluções: não deixar abandonados os meus blogs. Neste confraria, aproveito ainda para aplicar um layout diferente.

O ano que se passou foi uma saraivada de emoções. Alegrias, decepções, surpresas, o renascimento profissional e a esperança de novas alegrias.

No âmbito da paixão futebolística, 2011 simbolizou o verdadeiro renascimento. Ainda me lembro do fatídico 2 de dezembro de 2007, quando o rebaixamento trouxe ainda uma novidade pessoal das mais infelizes. Fui informado de que não permaneceria na produção de um programa de TV porque não maquiava os participantes. 

De lá pra cá, muitas idas e vindas. Fui sugado pela crise, participei com gosto de campanha política e tive inúmeras malfadadas tentativas de voltar ao batente.

Até que me reconstruí via clipping, um ramo que já havia me salvado anos antes, mas passei a atuar num esquema que classifico como asiático, já que trabalho de madrugada.

Enquanto isso, o Corinthians trouxe Ronaldo, ganhou dois títulos, viveu o dissabor de ser o primeiro time brasileiro a não passar da pré-Libertadores... mas enfim renasceu grande ao conquistar o título brasileiro.

Nada poderia ser mais mágico do que aquele quatro de dezembro. A história alvinegra acabara de perder Sócrates, um dos talentos mais maravilhosos que este país conheceu.

Tive o privilégio de assistir a um debate no Museu do Futebol sobre a Democracia Corintiana em que ele estava presente. Lá ele exaltou a importância da experiência e me impressionou com a sua grandeza - tanto no tamanho quanto na amplitude de ideias - eu batia no ombro dele, e olha que tenho 1,87 de altura.

Um domingo que começou com feições de luto, mas terminou à moda de nuances mágicas. A conquista do quinto título nacional pareceu (e foi) em honra do ídolo que partia para a imortalidade. E coroou o meu trigésimo quinto aniversário.

A idade da razão traz novas perspectivas. Diz a nossa fé espiritualista que os anos bissextos são os dedicados à lua - portanto, promissores. 

Partirei em busca de tanta felicidade que ainda tenho para experimentar. 

Que este ano seja o melhor de nossas vidas.