quinta-feira, 12 de julho de 2007

Roda Viva

Mais um de meus melhores textos de outrora. O conto Roda Viva. Divirtam-se
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Olhou o relógio e viu que estava atrasada. Apertou o passo, mas não correu. Certa impontualidade é parte do jogo. Com as mãos às costas, ele esperava. Tentou esconder aflição e impaciência quando ela chegou.

- Me desculpe! O ônibus atrasou. – não conseguiu. Num relance, ela percebeu tudo.

- Não tem problema - Não, mesmo. Agora, parecia entrar em alfa.

Quando ele a convidou, quis decidir a peça em conjunto com ela. Uma sombra de aborrecimento passou pela sua cabeça. Perdeu ponto pela indecisão. Mas topou dar-lhe uma chance.

Sabia que o cara precisava de esforço colossal para ser ousado. No caminho, até impôs alguma dificuldade. Mas, na porta do teatro, permitiu que ele entrelaçasse as mãos nas suas.

Ao acender das luzes, o beijo! Xoxo. “Que gostoso estar com você”, ela disse.
Não! Não era falsidade. Realmente gostava dele. Mas não tinha certeza se a afeição segurava um namoro. Exigente, até achou que ele foi bem em alguns quesitos.

Engataram uma saída atrás da outra. Em todas elas, ele lhe levava algum presente. Agradecia, mas não dava muita bola. Cedia a alguns carinhos. Dava chega-pra lá em outros.

A perspicácia a fez, mais uma vez, reparar em algo que ele não dizia de boca, mas o brilho dos olhos desmascarava. Levou um susto! Para ela era divertido. E não mais do que isso. Na última despedida, ele não resistiu a um “já estou com saudades”

- Pára com isso, cara! Você mal me conhece! – e foi embora.

No dia seguinte, mandou um e-mail. Disse que foi tudo muito bom, mas não queria mais. Percebeu que não o amava. E resolveu tocar a vida.

Muitas ficadas depois, preparava-se para a balada de aniversário da Fabíola. E lá, conheceu Aléssio. Perdeu o chão logo na primeira dança. A simbiose entre o som, a coreografia e os olhares culminou em romance.

Nos três meses que se seguiram, ela parecia não pertencer a este mundo. O outro lá era só memória. Um boboca meloso! O Aléssio era diferente! Bem mais maduro e equilibrado.
Aquela noite, então, era pra não esquecer. Daquelas de folhetim da Globo. Amanheceu ainda embriagada pela apoteose. Estava sozinha. Aléssio fora embora. Deixara-lhe um bilhete! “Tive de sair e não quis acordar você. Te ligo! Beijos”

Passou-se uma semana e ele não dava sinal de vida. Até que resolveu ela mesma ligar. “Este número não existe.” Um mês! Nada! Não sabia mais o que fazer. Sentiu-se consumida pela aflição. Onde estaria? Falou com Fabíola! Mas ela não pôde ajudar muito. Conhecia-o de relance. Era amigo de um amigo de um amigo.

Resolveu sair para espairecer. O estresse, que parecia diminuir de tamanho, transformou-se em incontrolável desespero. Ao passar pela banca de jornais, viu na capa de CARAS: “O empresário Aléssio Ribeira abre sua mansão em Paris”. Na foto, aparecia com uma mulher e duas crianças
Não podia ser verdade. Comprou a revista para ter certeza. Constatou que Aléssio era casado com uma francesa e tinha dois filhos. Passou três meses no Brasil a trabalho.
Sentiu um misto de náusea e tontura. Nada mais fazia sentido. Não tinha mais controle dos próprios sentidos.

Tão insuportável foi a dor da solidão que resolveu ligar para o “meloso”.

- Podemos conversar?

- Não temos nada pra conversar, sua vaca. Some da minha vida!

Encontrou-se tomada por choro e enjôo. Na alma, a certeza de que os homens são todos uns canalhas.

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